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Magistrada avalia desafios do Judiciário frente à primeira infância
Notícia publicada por Assessoria de Imprensa em 06/03/2018 12:03

Viabilizar ao juiz maior acesso às informações para que o desafio do Poder Judiciário diante da chamada Primeira Infância (de zero a seis anos) seja vencido. Essa é a meta defendida pela juíza Raquel Chrispino, titular da 1ª Vara de Família da Comarca de São João de Meriti e integrante da Coordenadoria Judiciária de Articulação das Varas da Infância e Juventude do Estado. Ela acrescenta, em entrevista, que entende ter sido acertada a decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) de tratar a primeira infância com a prioridade merecida através da II Semana de Valorização em torno do tema. 

Para Raquel Chrispino, a recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de autorizar que grávidas e mães de crianças de até 12 anos que estejam em prisão provisória (ou seja, que ainda não foram sentenciadas) tenham direito à prisão domiciliar, coloca em discussão a situação de milhares de crianças que passam pelo sistema carcerário do país, na maioria das vezes, sem condições adequadas.

A questão da Primeira Infância se tornou uma política pública no Judiciário fluminense e faz parte do plano estratégico do Tribunal de Justiça. O TJ vai realizar a II Semana de Valorização da Primeira Infância, um evento reconhecido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Como serão as discussões, os debates?

Por causa do Marco Legal da Primeira Infância, nós percebemos que era necessário começar a trabalhar internamente para dar apoio aos juízes no cumprimento efetivo do que determina a lei. Temos trabalhado para que as informações sejam viabilizadas no sistema do Tribunal para que seja de fácil acesso para os operadores do processo. Então, quando o juiz vai julgar e ter acesso ao sistema, ele terá informações chamando a atenção para réus que são pais de crianças entre zero e seis anos - estendido este limite ate os 12 anos em razão dos termos da Lei 13.257/16. Desde julho do ano passado, o Poder Judiciário do Rio de Janeiro fez uma modificação no sistema de distribuição e controle dos processos e esses dados são guardados. Fizemos também um trabalho de articulação junto à Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap) para um levantamento de dados nos presídios femininos com entrevistas com as mães e esses dados também foram encaminhados ao TJRJ para que possam ser acessíveis a todos.

Qual a realidade vivida por essas mães?

Se uma mãe é presa e essa criança fica em casa ou foi entregue na creche e ninguém foi buscar, ou se essa mãe não tem uma rede de proteção social ou família extensa, a criança vai ficar na creche. Esta, por sua vez, vai ter que avisar ao Conselho Tutelar, depois ao juiz e termina na Vara da Infância, que está diretamente afetada porque fica na outra ponta, precisa dar o acolhimento, um cuidado ou uma inserção na família substituta. A nossa proposta, num futuro próximo, é de articulação entre Varas Criminais e Varas da Infância, que acabam acolhendo crianças filhas de pais presos.

Qual sua análise sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de autorizar que grávidas e mães de crianças de até 12 anos que estejam em prisão provisória (ou seja, que não foram sentenciadas) tenham o direito de deixar a cadeia e ficar em prisão domiciliar até o julgamento do caso ?

Parece muito acertado que o STF tenha tomado uma decisão com base em uma convenção internacional de direitos humanos, precisamente as Regras de Bangkok que estabelece o tratamento a que tem direito as mulheres privadas de liberdade. Houve críticas de alguns segmentos, com estudiosos prevendo um possível aumento da criminalidade por uma captação de mulheres grávidas ou mães pelo crime organizado, pelo tráfico. O que me parece é que é necessário ver o problema por mais de uma perspectiva.

Em relação aos direitos, é perfeita a decisão e ela vem comemorar a existência dessa convenção e vem chamar a atenção para a existência de crianças dentro do sistema carcerário, cuja gestação não é cuidada por um pré-natal, sofrendo risco muito maior. Toda mulher que não faz pré-natal tem, na verdade, uma gravidez de risco e um parto de risco.

Outra perspectiva é da política criminal, de como é o impacto dessa norma na prática cotidiana. É claro que haverá um desafio grande para a segurança pública, porque a decisão do Supremo chega ao conhecimento da população toda. Imaginamos que possa haver repercussões na atuação das organizações criminosas. Mas não nos parece que esse argumento "de trás para frente" possa justificar uma decisão de outra natureza. Como coletividade, devemos buscar soluções para os desafios sem sacrificar direitos. Para nós, que trabalhamos na valorização da Primeira Infância, que é uma época da vida tão importante, foi especialmente gratificante perceber a posição do nossa corte constitucional nesse contexto.

Estamos completando dois anos do Marco Legal da Primeira Infância. É possível fazer uma avaliação? Houve avanços?

Sem dúvida houve avanços. Torna-se cada vez mais conhecida a importância que a Neurociência, a Psicanálise, a Pedagogia e a própria Economia dão a Primeira Infância. Este conhecimento já vem sendo construído desde o pós-guerra, restrito aos espaços de creche, da Pedagogia, de quem tem o trato específico com as crianças. A partir do momento em que temos um Marco Legal, uma lei de âmbito nacional trazendo essa questão, vamos tornando esse conhecimento cada vez mais disseminado para todos nós.

Com relação à mulher presa, aos pais presos, o impacto das prisões e de todo o sistema da política criminal sobre as famílias brasileiras, especificamente sobre as crianças nessa faixa etária, o que nos parece interessante é que ninguém havia percebido. Ninguém que não trabalhasse no sistema carcerário tinha atentado para o fato de existirem tantas crianças, mulheres grávidas, dentro desse contexto, sem acompanhamento. É como se agora se retirasse o véu sobre um assunto que estava encoberto. Existe um movimento no nosso país de tornar invisíveis alguns assuntos sobre os quais não temos entendimento perfeito ou que são desafios muito grandes.

Digamos que o sistema carcerário sempre foi um desafio muito grande também por termos bebês sendo gerados, amamentados e com suas mães presas. Há um questionamento de que a pena não deve atingir outra pessoa além do condenado mas isso ocorre com os filhos da mulher privada de liberdade.  A criança fica "presa com a mãe" ou fica impossibilitada, ou tem dificultado, o acesso ao atendimento médico, por exemplo. Eu gosto de dizer que estamos falando de direitos também dos filhos, que são desrespeitados em razão da situação peculiar de seus pais. Por isso, temos que garantir o direito dos pais para garantir o direito desses filhos. Não é somente uma causa das mulheres: é também uma causa das crianças, filhas dessas mulheres.

A entrevista foi ao ar no TJ Entrevista, na página oficial do Facebook do TJRJ

SV/FB

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