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Presidente do TJRJ determina que servidores da Saúde de Campos dos Goytacazes retornem às atividades em até 24 horas
Notícia publicada por Assessoria de Imprensa em 17/03/2020 18:58

O presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro,  desembargador Claudio de Mello Tavares, acaba de determinar que os servidores da área de Saúde em Campos de Goytacazes voltem ao trabalho em até 24 horas tendo um vista a pandemia do coronavírus. Caso a decisão não seja obedecida, a  categoria - que está  em greve desde fevereiro - terá que pagar multa diária R$1 milhão, além de sofrer sanções e responsabilizações  cabíveis.

Segue a íntegra da decisão:

 

DISSÍDIO DE GREVE N. 0015202-17.2020.8.19.0000

Autor: MUNICÍPIO  DE CAMPOS DOS GOYTACAZES

Réu: SINDICATO DOS MÉDICOS DE CAMPOS

DECISÃO

Trata-se de ação proposta pelo Município de Campos dos Goytacazes, pretendendo a declaração da ilegalidade de greve deflagrada pelo Sindicato dos Médicos de Campos, desde 18 de fevereiro de 2020, sem prazo de duração.

Questiona que o movimento paredista ocorre justamente em período no qual vivemos situação de emergência global por conta da pandemia do Coronavírus (COVID-19), sendo as unidades básicas de saúde indispensáveis para a prevenção e o tratamento da doença.

Afirma que várias unidades de saúde estão sem nenhum profissional e que o sindicato réu apresenta diversas reivindicações, algumas já atendidas e outras obstadas por questões orçamentárias.

Sustenta que não foi observada a reserva do contingente mínimo para assegurar a continuidade de prestação de serviços inadiáveis à população; que os médicos prestam serviço essencial, o qual não pode ser interrompido em sede de movimento grevista; que não foram esgotadas as negociações com o Poder Público, dentre outras questões em desacordo com a Lei nº. 7.783/89.

Requer seja concedida a tutela antecipada para deferir o imediato retorno dos servidores representados pelo sindicato réu aos seus postos de trabalho, sob pena de multa diária a ser arbitrada por este Juízo. Alternativamente, requer que seja mantido o percentual mínimo de 80% dos servidores médicos, a fim de garantir a continuidade dos serviços prestados.

No mérito, requer a procedência da ação, declarando a ilegalidade da greve deflagrada pelo réu.

É o relatório. Decido.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos Mandados de Injunção nº 670/ES, 708/DF e 712/PA, consolidou entendimento no sentido da eficácia imediata do direito constitucional de greve dos servidores públicos, a ser exercido por meio da aplicação da Lei nº 7.783/1989, até que sobrevenha lei específica para regulamentar a questão.

De outro lado, sendo a Lei nº 7.783/1989 o balizamento escolhido pelo Supremo Tribunal Federal para a apreciação do direito de greve dos servidores públicos, as limitações ali constantes, por ainda maior razão, aplicam-se ao caso de greves envolvendo serviços de caráter especial.

Assim, se a própria Lei nº 7.783/1989 prevê o dever de manutenção de serviços considerados essenciais, o caráter ontologicamente público dos serviços prestados por servidores públicos exige ainda maior rigor na ponderação entre o direito de greve e o interesse coletivo na manutenção dos serviços quando certas atividades estão envolvidas.

Compete a esta Presidência, por força do art. 3º, I, “o”, números 2 a 7, do Regimento Interno do Tribunal, com a redação dada pela Resolução nº 14/2014 do Órgão Especial, a apreciação inicial dos dissídios coletivos de greve bem como a avaliação da necessidade de se atender aos interesses da comunidade, verificando se a atividade desempenhada pela categoria, em estado de greve, deve ser inserida dentre aquelas de caráter essencial, os quais não podem ser interrompidos.

Na hipótese em tela, há de se ter em conta que parcela dos pleitos demanda disponibilidade orçamentária, a impor, para o seu respectivo acolhimento, adequação aos limites impostos pela Lei de Responsabilidade  Fiscal  para  aumento  dos  gastos  com  pessoal,  prévia  dotação  orçamentária e a promulgação de lei formal.

Tendo em vista os graves e intensos desdobramentos que provoca, a greve constitui direito a ser exercido de forma excepcional, jamais como medida inicial de pressão para compelir o empregador a atender às reivindicações da categoria, por mais justas que sejam.

Os artigos 6º e 196, ambos da Constituição da República/88, o artigo 287 da Constituição Estadual, bem como o artigo 7º da Lei nº 8.080/90, Lei Orgânica da Saúde, destacam a relevância da questão referente ao direito fundamental à saúde, tema que tem sido reiteradamente suscitado no meio jurídico. O artigo 198 da Constituição da República/88, por sua vez, determinou, expressamente, algumas das principais diretrizes da preservação do direito à saúde, referindo-se ao atendimento integral do cidadão e à criação do sistema único de saúde (SUS), dispondo que o financiamento será assegurado com recursos do orçamento da seguridade social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.

O direito de greve no âmbito da Administração Pública sofre limitações, na medida em que deve ser confrontado com os princípios da supremacia do interesse público e da continuidade dos serviços públicos para que as necessidades da coletividade sejam efetivamente garantidas.

Aplicada ao serviço público, a restrição que emerge do disposto no art. 11, da Lei 7.783/89 pode, em virtude da natureza do serviço prestado, alcançar abrangência ilimitada, obstando a paralisação não apenas parcial, mas integral dos serviços.

A própria Organização Internacional do Trabalho, por meio de ato editado pelo seu Comitê de Liberdade Sindical (OIT Verbete 394), reconhece como lícita a vedação do direito de greve aos servidores “que atuam como órgãos de poder público, ou nos serviços essenciais no sentido estrito do termo, isto é, aqueles serviços cuja interrupção possa pôr em perigo a vida, a segurança, ou a saúde da pessoa, no todo ou em parte da população”.

Ao julgar o Mandado de Injunção n 712, o STF firmou a orientação de que certas categorias de servidores públicos devem ser integralmente privadas do exercício do direito à suspensão das suas atividades, com o escopo de resguardar a defesa de interesses de maior envergadura, igualmente consagrados pela Constituição de 1988, segundo se extrai do trecho abaixo reproduzido:

Os servidores públicos são, seguramente, titulares do direito de greve. Essa é a regra. Ocorre, contudo, que entre os serviços públicos há alguns que a coesão social impõe que sejam prestados plenamente, em sua totalidade. Atividades das quais dependam a manutenção da ordem pública e a segurança pública, a administração da Justiça - onde as carreiras de Estado, cujos membros exercem atividades indelegáveis, inclusive as de exação tributária - e a saúde pública não estão inseridas no elenco dos servidores alcançados por esse direito (...).”

(Grifos nossos)

 

Sobre o tema já se manifestou o nosso Tribunal de Justiça, em hipótese envolvendo a mesma categoria aqui tratada:

0052811-44.2014.8.19.0000 - DISSÍDIO COLETIVO DE GREVE

 Des(a). LEILA MARIA CARRILO CAVALCANTE RIBEIRO MARIANO - Julgamento: 27/10/2014 - OE - SECRETARIA DO TRIBUNAL PLENO E ORGAO ESPECIAL

Agravo. As atividades exercidas pelos Agentes Comunitários de Saúde e Guarda de Endemias constituem-se essenciais à coletividade e à saúde pública. Impossibilidade de paralisação. Lei nº 7.783/89. Aplicação correta da multa. Presença dos requisitos do artigo 273 do CPC. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

 Íntegra do Acórdão - Data de Julgamento: 27/10/2014 (*)

Íntegra do Acórdão - Data de Julgamento: 17/11/2014

Íntegra do Acórdão - Data de Julgamento: 19/09/2016 (*)

(grifos nossos)

Cumpre registrar, ainda, que o Brasil, como outros países, vive situação excepcionalíssima, de emergência global em virtude da pandemia do  Coronavírus  (COVID-19),  sendo  as  unidades  básicas  de  saúde (UBS’s),  de  acordo  com  orientação  técnica  do  Ministério  da Saúde,  indispensáveis  para  a  prevenção  e  tratamento  da  doença,  pois o primeiro contato dos pacientes é realizado nas referidas  unidades,  de sorte que  a  ausência  de  profissionais  médicos  causa incomensuráveis riscos à saúde da população campista.

Em decorrência da pandemia do Coronavírus, foi editado pelo Município Autor o Decreto n.º 021/2020,  que dispõe  sobre  medidas  de enfrentamento  da  emergência  de  saúde  pública,  não  podendo  a rede  municipal  de  saúde  se  ver  privada  da  atuação  dos profissionais médicos representados pelo sindicato réu.

Pelo exposto, presentes os pressupostos, defiro a antecipação pretendida para determinar:

  1. Que as atividades prestadas pelos servidores da área da saúde sejam restabelecidas, no prazo de 24 horas, com o retorno às suas atividades, sob pena de multa diária de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), sem prejuízo das sanções e responsabilizações cabíveis;
  2. Designo para a Audiência de Conciliação a se realizar nesta Presidência, nos termos do artigo 3º, I, “o”, 2, do Regimento Interno deste Tribunal de Justiça, na redação dada pela Resolução nº 14/2014, do Órgão Especial deste Tribunal de Justiça.
  3. Intime-se o Sindicato, mediante representantes com poderes para transigir e devendo apresentar pauta de reivindicações;
  4. Intime-se o Estado do Rio de Janeiro por sua Procuradoria; e
  5. Intime-se o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.

Rio de Janeiro, 17 de março de 2020.

Desembargador CLAUDIO DE MELLO TAVARES

Presidente do Tribunal de Justiça