- Museu da Justiça
- Exposições
- II Mostra Artística e Literária dos COGENs
- Texto Clarissa Biasotto Kropotoff Trotta 2
Vivemos Justiça?
Miopia, astigmatismo, utopia, distopia, egoísmo. Cegueira de ética, de cuidado, de justiça.
Distorções da visão na criação de eus. Cada encontro com uma pessoa é um encontro de ilusões. O que penso de você e o que você pensa de mim em interação. Personificações de mim em interação com personificações de você. Se rio simpática, para Joana sou sonsa, para João sou dada, para Júlia, delicada. Se dia seguinte escondo os dentes, para Joana sou triste, para Julia, mudei, para João, é contra ele. Gestos, comportamentos geram interpretações.
Mas... se grito, debocho, falo agressiva, deixo de lado, persigo, culpo quem está abaixo para tirar de mim a responsabilidade dos meus erros e decisões, me aproprio do que é dos outros, mando trancar a porta para ficarmos sozinhos, ameaço de morte, para Julia, Joana e João sou assédio. Para Leonardo, Mônica e Giovana, sou assédio. Para Ricardo, Heloise e Daniela sou assedio. Para Edivaldo, Cristiano e Wilson sou assédio.
Para. O que eu sou para mim? Sou morte em vida. A cada vez que grito e chego sorrindo no dia seguinte, que mando trancar a porta para ficarmos sozinhos, a cada vez que debocho e vejo a paralisia como resposta, que falo agressiva e vejo o medo nos olhos do outro, que deixo o outro de lado e acordo a cada dia seguindo em frente, que persigo e vejo o outro anulado, que culpo quem está abaixo e deixo o peso das minhas responsabilidades sobre ombros impotentes, que tomo o que é dos outros e pouso para as fotos, que ameaço de morte e acordo todos os dias para a vida sentindo o peso dos cílios sobre meus olhos, fecho a porta do que há de melhor em mim para abrir o que há de pior.
O que estamos aprendendo? O que estamos fazendo aqui dentro? Para que andarmos tão bem arrumados, tão bem pagos e ricos, tão belos e limpos por fora e tão podres e estragados por dentro? Por dentro, mofo e relações adoecidas. Por fora a imagem anacrônica de uma justiça que mimetiza o que há de mais atual lá fora. Desconectados do que acontece dentro e interessados em aparentar bem vistos por fora. Por uma sociedade que sabe e conhece a podridão de dentro. Fingindo para nós mesmos que estamos enganando alguém sobre o que de fato ainda somos. Para que estamos fazendo isso? Para que? Com que objetivo buscamos continuar sendo ruins na realidade e bons na aparência?
Até quando iremos importar e replicar o pior da sociedade do lado de dentro do que se chama Casa da Justiça? Exclusão, discriminação, perseguição, ameaças, gritos, corrupção, precarização de trabalhos, precarização da justiça em nome de uma futura inteligência que ainda não está aqui. Em nome de uma presente negligência com o que está. Que tipo de Justiça é essa que replica o que há de pior na sociedade em vez de demonstrar e ditar as tendências do que efetivamente é ser justo?
A hipocrisia de aparentar ser justo por fora e apodrecidos por dentro é cegueira que só gera infelicidade. A aparente justiça que é praticada para os de fora não encobre a injustiça que é praticada com quem está dentro. O que essa Casa da Justiça tem feito para efetivamente ser justa e humana com quem está dentro da casa? Será que temos limpado primeiro o interior para que o exterior possa ser e não somente aparentar toscamente estar limpo? Será que um dia teremos a felicidade de não sermos hipócritas e começar a ver depois da cegueira de séculos acreditando que o poder e a aparência é tudo e só o que importa? Será que sairemos dos sepulcros cheios de podridão para finalmente passar a enxergar e a viver verdadeiramente como justos?
Clarissa Biasotto Kropotoff Trotta