Violência psicológica e métodos de enfrentamento em pauta no III Fórum Fluminense de Violência Doméstica
Juíza do TJRJ Elen de Freitas Barbosa, desembargadora do TJRJ Adriana Ramos de Mello e o juiz de Direito do TJPE Francisco Tojal
No decorrer desta segunda-feira, 22 de setembro, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) sediou o III Fórum Fluminense de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Fovid/RJ), com o objetivo de promover a reflexão e o debate, além de incentivar, por meio da troca de experiências, a construção coletiva de soluções para um dos maiores desafios sociais do país: a violência contra a mulher. Na parte da tarde, além de oficinas temáticas, o evento contou com dois painéis.
O encontro reuniu magistrados, promotores, defensores públicos, assistentes sociais, lideranças comunitárias e representantes da sociedade civil no Auditório Desembargador Antônio Carlos Amorim, no Fórum Central do Rio.
Promovido pelo Fórum Permanente de Violência Doméstica, Familiar e de Gênero da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj), em parceria com a Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar (Coem), o evento buscou fortalecer estratégias de enfrentamento e aproximar o sistema de Justiça das realidades diversas das mulheres brasileiras.
O primeiro painel da tarde, intitulado “Prevenção à Violência Doméstica: Caminhos e Desafios”, teve como palestrantes a desembargadora do TJRJ Adriana Ramos de Mello, a diretora de cultura da Associação de Comunidades Quilombolas Remanescentes do Estado do Rio de Janeiro (Acquilerj), Elizabeth Fernandes, e o juiz Francisco Tojal, do Tribunal de Justiça de Pernambuco.
Elizabeth iniciou a discussão ressaltando a importância da titulação dos territórios quilombolas — processo de reconhecimento e regularização fundiária que garante a propriedade coletiva definitiva, sem custos e sem possibilidade de divisão, venda ou penhora. Segundo ela, esse direito é fundamental não apenas para a prosperidade financeira das comunidades, mas também por questão de segurança. A diretora compartilhou parte de sua experiência para evidenciar a urgência do tema.
“Nós precisamos que os nossos territórios sejam titulados para que as comunidades quilombolas possam, dentro deles, viver, cultivar, falar de sua história, trabalhar com agricultura familiar. Também gostaria de pedir apoio porque nós, mesmo dentro dos nossos territórios, somos ameaçados constantemente. Eu mesma já fui ameaçada de morte”, declarou.
Na sequência, a desembargadora Adriana Ramos ressaltou que a fala da diretora é importante para trazer uma aproximação do Poder Judiciário com comunidades que possuem dificuldades de acesso não somente a serviços básicos como saúde e educação, mas também acesso à justiça, à defensoria pública e às informações sobre seus direitos.
“O que podemos fazer para que essas mulheres e meninas tenham o acesso à justiça garantido como um direito fundamental, previsto no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal? Precisamos ouvir essas mulheres, suas demandas e preocupações, como fizemos agora com a Elizabeth. Para nós que estudamos Direito pode parecer simples, mas para a maioria das pessoas não é. É difícil, é longe, é caro e não é fácil. Dentro dessa perspectiva, a Coem está muito preocupada com o acesso à justiça, sobretudo das mulheres que vivem em áreas rurais, mais distantes”.
Entre as iniciativas citadas no decorrer da exposição, estão o novo Formulário Nacional de Avaliação de Risco de Violência Doméstica, o programa Rio Lilás, e a recente alteração da Lei Maria da Penha, que permite o uso de monitoramento eletrônico de agressores e de dispositivos de segurança para vítimas.
O último painel do dia abordou a violência psicológica – a Lei Maria da Penha a tipifica como qualquer conduta que cause dano emocional, diminua a autoestima, prejudique o pleno desenvolvimento ou vise degradar e controlar a mulher, por meio de atos como ameaças, constrangimento e isolamento. Intitulada de “Violência Psicológica e sua Caracterização: Lançamento do IAVP - Instrumento de Avaliação de Violência Psicológica”, a palestra foi iniciada por Danielle Moraes, assistente social e de Coordenação e Incidência Política da ONG Criola. Danielle destacou que a violência psicológica não deve ser vista de forma isolada, mas como um fator que permeia todas as outras formas de agressão — patrimonial, física, sexual ou vicária. Ela ressaltou que, no caso das mulheres negras, essa violência assume um caráter específico, devido à exclusão e marginalização que enfrentam no acesso a bens, a direitos e à justiça.
A juíza do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) e auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Luciana Lopes Rocha, afirmou que ainda se há um grande caminho a percorrer.
“Ainda temos uma longa estrada para vermos o que são as estratégias de violência psicológica perpetrada pelos agressores. Houve uma grande valorização do direito penal, trazendo esse crime como exercício de poder contra as mulheres no Código Penal. Então, além de ser um crime contra a mulher em situação de violência, ele também é um crime de gênero”.
A promotora de Justiça do Ministério Público de São Paulo (MPSP) e especialista em gênero e enfrentamento à violência contra a mulher, Valéria Scarance, disse que, no ano passado, foram relatados 52 mil casos de violência psicológica. No entanto, não foi observado o mesmo número de processos. Ela respondeu que isso se dá pela falta de denúncias.
“Na mesma intensidade que essa violência psicológica acontece, ela também é sutil, invisível e específica. Eu costumo dizer o seguinte: a violência psicológica é a única violência absolutamente individualizada. Ela está relacionada aos dons ou às vulnerabilidades daquela pessoa específica”, encerrou.
Ao final do painel, ocorreu o lançamento do Instrumento de Avaliação de Violência Psicológica (IAVP), elaborado para que profissionais de justiça consigam identificar a violência psicológica e dimensionar o dano emocional. Em seguida, os participantes se dividiram em oficinas temáticas para propor enunciados práticos, que foram discutidos em plenária e submetidos à votação. O objetivo foi transformar os debates em diretrizes que contribuam para políticas públicas mais efetivas.
O dia foi encerrado pelo desembargador Wagner Cinelli, presidente da Cogen – 1º grau, que ressaltou o compromisso do Poder Judiciário em articular justiça, sensibilidade social e escuta ativa das vítimas.
“Estamos tratando, nesse evento, de um tema muito forte e árido: a violência doméstica. A violência contra mulher é um tema trágico, histórico e urgente”.
Presidente da Cogen - 1º Grau, desembargador Wagner Cinelli, e a juíza Katerine Jatahy
VM/SF
Fotos: Felipe Cavalcanti/TJRJ