Famílias de pessoas com autismo encontram espaço de reflexão no Fórum do Méier
De vestido preto e blazer quadriculado, ao fundo, a juíza Cláudia Márcia Gonçalves Vidal, diretora do Fórum do Méier, coordenadora do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania, integrante do Comitê Permanente de Acessibilidade e Inclusão (COMAI) e idealizadora do projeto “ Círculo de Acolhimento de Mães Atípicas”, participa do ciclo com os convidados
O ambiente acolhedor, destinado a um “Círculo de Mães Atípicas” para familiares de crianças e adolescentes com necessidades especiais, nem parece se tratar de um espaço dentro do Fórum Regional do Méier. Onde normalmente são realizadas audiências no âmbito criminal, familiar, cível e muitos outros, também tem lugar de fala, escuta e de compartilhamento de experiências e orientações sobre quadros como autismo, dislexia, TDHA, TOD, TPAC.
No segundo encontro do ano, realizado no dia 8 de abril, o guarda municipal Rafael Pablo Carvalho Olegário, que é pai atípico, iniciou o círculo reflexivo com a construção de redes de apoio entre todos os participantes. Sem formalidades, ele fez uma dinâmica com o grupo de 16 pessoas presentes para cada um se identificar e falar sobre um defeito e uma qualidade de si. O objetivo é, a partir do tema, compartilhar vivências.
“Dentro do nosso tema saíram tantas histórias... Falamos de acolhimento, amor, afeto e carinho. O acolhimento passa por isso. É o sentar e saber o que está acontecendo do outro lado. Sinto-me agraciado de fazer parte de uma turma de facilitadores. Quando vocês receberam o convite para estar aqui qual foi o sentimento? Eu me senti a melhor pessoa do mundo porque, às vezes, vejo foto na rede social de festa que minha filha não é convidada. A sociedade prefere se contaminar do que contagiar. Nós deixamos a alegria e o momento contagiar porque cada valor passado aqui é a ponta de um quebra-cabeça que está sendo montado para me dar força para vencer a cada dia. Precisamos ser contagiantes e contagiados”, destacou.
O “1° Círculo de Acolhimento para Mães Atípicas” foi realizado em agosto do ano passado - no mês seguinte, aconteceu a 1ª palestra voltada para o tema. Até agora, foram três círculos presenciais. Shirlene Machado chegou ao encontro com o filho de 17 anos. Ela é mãe solo de dois autistas e um terceiro com 50% de perda de audição. Ficou sabendo do projeto depois de passar por muitas audiências no Fórum do Méier durante um processo no qual buscava amparo judicial e acabou participando do 1° Círculo.
“É uma experiência completamente diferente. Eu nunca imaginei que no âmbito da Justiça a gente iria ter um lugar de escuta desse porte. Temos a oportunidade de falar um pouco da nossa vida, mas também somos edificados pelo que tem na vida do outro. Sou muito agradecida. Eu trouxe convidados que na verdade não conseguiram falar, apenas se emocionar, mas saíram confortados. Me senti acolhida também quando vi o acolhimento dos meus filhos interagindo socialmente no círculo com os brinquedos e livros disponíveis. É como um círculo da inocência dentro do círculo da consciência de quem sabe todos os desafios que estão lá fora”, enfatizou.
A advogada Sônia Myrink Neves tem um neto autista de 17 anos e participa do “Círculo de Mães Atípicas” desde o início - a filha mora em São Paulo e não tem oportunidade de estar presente nos encontros em função da distância.
“Sou uma mãe e avó muito ativa nos encontros. O círculo traz muitas experiências de busca de especialistas para o tratamento, de terapeutas. Meu neto é portador do autismo mais grave e com o conhecimento do grupo pude ajudar minha filha na criação dele. É um ensinamento constante essa convivência com as mães. Aqui nós não temos nome, não temos cargo. Todas nós nos reunimos pelo mesmo objetivo que é a melhor forma de lidar com a criança especial”, explicou.
O objetivo da oficina é estimular a reflexão sobre os cuidados com os filhos. A oficina é voltada para pais, mães e avós. A juíza Cláudia Márcia Gonçalves Vidal, diretora do Fórum do Méier, coordenadora do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania e integrante do Comitê Permanente de Acessibilidade e Inclusão (COMAI), é a idealizadora do “Círculo de Mães Atípicas”.
“O círculo nasceu com o objetivo de dar visibilidade à maternidade atípica e as suas implicações nos núcleos familiares e na sociedade. Inúmeros são os desafios que encontram na sociedade. Abandono familiar, desconhecimento das leis, de tratamento, um desequilíbrio em suas relações e nas suas relações de trabalho, um atraso no mercado de trabalho e, por fim, o repúdio social gerado pela falta de inclusão social. Disponibilizar um espaço de acolhimento para mães e filhos com necessidades especiais é fundamental, além de realizar uma escuta ativa e afetiva dessas mães e desses filhos, realizar trocas de experiências, troca de vivências, dar informações, palestras. A ideia é proporcionar a inclusão social no âmbito do Poder Judiciário. Fazer com que essas ações se tornem exemplo e que possam reverberar na sociedade. Uma sociedade não se torna livre, justa e fraterna sem que barreiras de preconceito sejam rompidas”, destacou a magistrada.
Palestra no dia 28 de abril
No dia 28 de abril, a juíza Cláudia Márcia Gonçalves Vidal conduzirá a palestra "Conhecendo seus Direitos: Acesso à Previdência para Família Atípicas", às 14h, no Fórum Regional do Méier, que contará com a participação da advogada especialista em Direito Previdenciário e conciliadora da 5ª Vara de Família, Júlita de Oliveira. De acordo com a magistrada, a ideia é gerar informação, conscientização, assegurar proteção sobre os direitos das próprias mães e seus filhos, proporcionar visibilidade ao tema e inclusão no âmbito do Poder Judiciário.
"As famílias enfrentam desafios contínuos. Muitas mães param de trabalhar e precisam adequar suas atividades com as de seus filhos. E sempre há a preocupação quanto ao que ocorrerá no futuro. Surgem as preocupações de quem vai amparar seus filhos e como poderão enfrentar as adversidades da maternidade sem conhecer seus direitos porque há uma sobrecarga financeira. É importante que as mães atípicas saibam sobre os benefícios previdenciários, sobre a lei que estabelece as regras gerais da assistência social no Brasil, inclusive as regras de concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC), aposentadoria por invalidez dentre outros pontos que serão abordados. O Direito Previdenciário é uma ferramenta essencial para assegurar uma proteção e quando isso acontece existe um menor impacto de todo sofrimento e carga que, em muitos casos, fica nas mãos de uma pessoa da relação familiar. Vai ser uma oportunidade de esclarecimento de dúvidas envolvendo o tema", disse.
SV/FS
Fotos: Felipe Cavalcanti