Resolução Conanda nº 258/24 e os limites do poder normativo são debatidos em encontro na Emerj
A Resolução nº 258/24, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), e os limites do poder normativo foram temas de debate nesta sexta-feira (31/1) na Emerj, em encontro conduzido pelo presidente da Associação Brasileira dos Magistrados da Infância e da Juventude (ABRAMINJ) e do Fórum Permanente da Criança, do Adolescente e da Justiça Terapêutica da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj), juiz Sérgio Luiz Ribeiro de Souza. O encontro aconteceu no Auditório Desembargador Paulo Roberto Leite Ventura e teve transmissão via plataformas Zoom e Youtube com tradução simultânea para a Língua Brasileira de Sinais (Libras).
A abertura do encontro contou com a presença da juíza Lorena Boccia, especialista em Direito da Infância, Juventude e Idosos e diretora de Direitos Humanos e Proteção Integral da AMAERJ, e do professor Fábio de Oliveira Azevedo, integrante do Fórum Permanente de Direito Civil e professor de Direito Civil.
De acordo com o juiz Sérgio Luiz Ribeiro de Souza, a ABRAMINJ é contrária à resolução criada em dezembro do ano passado por considerá-la ilegal ao ferir artigos do Código Civil, do Código de Processo Civil e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Pela Resolução, uma criança ou adolescente pode procurar um serviço de saúde e informar que está grávida após ser vítima de abuso sexual e realizar aborto - após ser informada sobre os riscos da gravidez e dar a opção de que seja feito contato com seus responsáveis legais ou com um adulto de sua confiança. Se a adolescente disser que não deseja tal contato, será imediatamente encaminhada para a realização do aborto.
“O direito à informação previsto na Resolução é incompleto e parcial. As menções expressas na Resolução tratam da informação sobre os riscos para a saúde da gravidez, silenciando em absoluto não só sobre a informação quanto aos riscos inerentes à realização de um aborto, mas também em relação à possibilidade de entrega legal e protegida para adoção. O direito fundamental à informação deve ser respeitado integralmente, porque a informação parcial mais se assemelha à indução, ainda mais quando prestada para criança ou adolescente absolutamente desacompanhada de representante legal ou de pessoa de sua confiança. Note-se que o art. 5º, §1º da Resolução CNJ nº 485/23 assegura à criança e à adolescente o direito de sigilo da entrega para adoção em relação aos seus genitores, mas obriga que ela seja representada por Defensor Público ou por advogado por ela nomeado, sendo certo que essa entrega acontece perante o Poder Judiciário”, destacou o magistrado.
A juíza Lorena Boccia, juíza da Vara de Família, Infância e Juventude e Idoso da Comarca de Volta Redonda (RJ), enfatizou que não compete ao Conanda regulamentar como menores irão chegar ao juiz, assim como formular normas e oferecer subsídios para quem tem competência. Durante a palestra, ela relatou uma audiência que presidiu de um caso no qual uma adolescente de 14 anos narrou ter engravidado após ser estuprada pelo padrasto.
“A adolescente chegou na minha vara com a gestação em estágio avançado e não teve o amparo da mãe, que optou em apoiar o padrasto mesmo depois de preso. Ela foi encaminhada para um abrigo, mas ao explicar sobre a possibilidade do aborto com riscos e de seguir com a gravidez para entregar a criança para a doção, sendo a mesma amparada pelo estado, ela ficou em silêncio. Ficou evidente que ela não tem maturidade e compreensão para responder, está em processo de formação. Diante de tantas evidências, sou contra a Resolução do Conanda”, disse.
Fábio de Oliveira Azevedo, integrante do Fórum Permanente de Direito Civil e professor de Direito Civil, acrescentou que a resolução, de natureza administrativa, deseja criar uma causa de cessação da incapacidade absoluta e também da relativa, permitindo à criança e à adolescente sem representação ou assistência o exercício de ato da vida civil, sem que essa hipótese se enquadre em qualquer uma das exceções já elencadas constantes do Código Civil.
“Existe reserva legal para o caso de divergência entre os interesses da criança ou adolescente e de seus responsáveis legais. O parágrafo único do artigo 142 do Estatuto da Criança e do Adolescente diz que a autoridade judiciária dará curador especial à criança ou adolescente, sempre que os interesses destes colidirem com os de seus pais ou responsável, ou quando carecer de representação ou assistência legal ainda que eventual. Além disso, o artigo 1.692 do Código Civil” enfatiza que, sempre que no exercício do poder familiar colidir o interesse dos pais com o do filho, a requerimento deste ou do Ministério Público, o juiz lhe dará curador especial enquanto durar a incapacidade”, ressaltou.
Membros do Ministério Público, da Defensoria Pública, e o vereador Leniel Borel, entre outros participaram presencialmente do encontro, além de outras 500 pessoas remotamente, incluindo serventuários e estudantes de Direitos que se inscreveram através do link https://www.youtube.com/user/EMERJeventos/live
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