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Lei Maria da Penha, 12 anos: especialistas cobram mais políticas públicas
Notícia publicada por Assessoria de Imprensa em 07/08/2018 16:06

Doze anos após a promulgação da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), no dia 7 de agosto de 2006, especialistas comemoram os resultados alcançados pela lei, que revolucionou as ações voltadas para o combate à violência doméstica e familiar contra a mulher no país. Elas, contudo, alertam sobre a necessidade de implantação de políticas públicas voltadas para a prevenção, como forma de enfrentar, efetivamente, essa violência.

A juíza Katerine Jathaí Ktsos Nygaard, do I Juizado Especial de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Capital, defende o ensino da Lei Maria da Penha nas escolas, assim como a capacitação dos profissionais que atuam no atendimento às mulheres.

"Faltam campanhas de conscientização sobre a violência doméstica; ensinar nas escolas. Existe uma lei estadual que prevê o ensino da Lei Maria da Penha em âmbito escolar (Lei Nº 7.477, de 2016), mas temos que ampliar ainda mais. Outra medida importante é a capacitação dos policiais e de todos os profissionais que atendem essas mulheres. Foram criados os juizados especiais de violência doméstica e as delegacias especializadas em atendimento às mulheres (Deams), mas não adianta termos pessoas atuando nessas delegacias sem a sensibilidade para atender uma mulher vítima de violência", disse.

A magistrada, contudo, faz questão de destacar os avanços que a lei trouxe no combate à violência contra a mulher.

As medidas protetivas são maravilhosas e inovadoras. Com a lei, várias podem ser concedidas, como guarda provisória, busca e apreensão de documentos, nos casos em que o agressor proíbe o acesso da mulher à residência para recuperar seus documentos. Então, as medidas protetivas são um marco”, afirmou.

Concordando com a juíza, a advogada Leila Linhares Barsted, coordenadora executiva da ONG Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação (Cepia), acredita ser necessária a implementação de políticas públicas, em todo o país, como forma de a mulher garantir seus direitos previstos na Constituição. Leila foi uma das integrantes do grupo de mulheres responsáveis pela elaboração do documento que resultou no texto final da Lei Maria da Penha.

"Há um conjunto de políticas públicas que precisam ser desenvolvidas para além da questão de segurança e de justiça. Precisamos entender que o acesso das mulheres à Justiça não é apenas o acesso ao Poder Judiciário. A ideia de justiça é muito mais ampla, de justiça social, que garanta o acesso aos direitos individuais, sociais, à saúde, educação e habitação", considerou.

Leila defende uma maior atenção no que se refere à assistência às mulheres. Para isso, ela defende uma atuação integrada dos órgãos municipais, estaduais e federais.

“Muitas vezes, a mulher que sofre a violência vai a um hospital, mas não é encaminhada para a Defensoria Pública ou para um serviço de apoio psicológico, para que tome conhecimento dos seus direitos. Então, há necessidade de se formar redes de serviços envolvendo todos os níveis, federal, estadual e municipal. A Lei também prevê que essas mulheres possam ser incluídas em programas de capacitação profissional, ter direito a licença no trabalho”, avaliou.

Lei alavanca número de processos no Judiciário

O número de processos que tramitam no Judiciário em todo país relativos à violência doméstica e familiar contra a mulher chega a quase um milhão, sendo 10 mil casos de feminicídio. No Tribunal de Justiça do Rio (TJRJ), o número de ações cresceu de forma vertiginosa a partir da promulgação da Lei Maria da Penha. Em 2005, foram registrados apenas 19 processos; já em 2006, quando a lei foi promulgada, o número subiu para 35.113. Dez anos depois, em 2016, o número de processos chegou a 110.669. Neste ano, somente até junho, foram registrados 60.105 processos.

Atendimento psicológico no TJRJ

A procura pelo atendimento no serviço de psicologia oferecido pelo Tribunal também vem aumentando, considerando os últimos três anos. Em 2015, o número de encaminhamentos realizados pelos 13 Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher no estado totalizou 5.892 processos. No ano passado, foram computados 8.314 processos. Neste ano, até junho, foram registrados 4.546 processos.

A psicóloga Mara Monteiro, que atua no I Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher desde a promulgação da lei, relata as condições de fragilidade das mulheres que chegam ao juizado para serem atendidas.

“As mulheres chegam aqui com abalos muito significativos na sua autoestima. Notamos que, às vezes, a própria mulher se sente culpada por estar sendo vítima. Observamos, também, uma dissociação tão grave que a mulher não vive aquilo como uma violência. Talvez por causa da nossa cultura, muitas ainda dão margem a tornar natural certos comportamentos, levando a reações como: ‘Ah, ele fez isso porque bebeu ...’ . Muitas mulheres se apresentam com sintomas de depressão, tristes e com a sensação de frustração, porque aquele projeto de família idealizada se desmoronou”, conta.

Mara explica sobre o fluxo de atendimento à mulher a partir do momento em que ela decide ir à delegacia para denunciar a violência e é constatada uma situação de risco, como uma ameaça à sua vida ou à sua integridade psicológica.

“Configurado o risco, o órgão policial encaminha ao juizado um requerimento de medidas protetivas. Nesse momento, acolhemos essa mulher e realizamos uma primeira escuta. A partir dessa entrevista, avaliamos fatores de vulnerabilidade da situação dela para elaborarmos um relatório com um parecer técnico sobre o caso, recomendando a medida protetiva. Quando a situação se apresenta muito complexa e a medida protetiva não se configura um remédio adequado, podemos sugerir ao juízo que determine um estudo mais detalhado do caso, para que possamos avaliar melhor aquela situação”, explicou.

A psicóloga também concorda que são necessárias mais políticas públicas para ampliar os efeitos da lei.

“É preciso haver por parte do Executivo e dos outros poderes a implementação de políticas efetivas de proteção e assistência que ajudem essa mulher que sofre violência a ultrapassar isso. Muitas mulheres não saem de uma situação de violência por causa de uma dependência emocional, e, na maioria das vezes, econômica. Nesse caso, é preciso que haja emprego para que ela possa sobreviver sem essa dependência. Ela também precisa de um lugar para deixar os filhos para poder trabalhar”, considerou.

Sobre Maria da Penha Maia Fernandes

A farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes era casada com Marco Antônio Heredia Viveros, que cometeu violência doméstica durante 23 anos de casamento. Em 1983, o marido por duas vezes, tentou assassiná-la. Na primeira vez, com arma de fogo, deixando-a paraplégica, e, na segunda, por eletrocussão e afogamento. Após essa tentativa de homicídio, ela tomou coragem, o denunciou, conseguiu sair de casa devido a uma ordem judicial e iniciou a batalha para que seu então marido fosse condenado. Entretanto, o caso foi julgado duas vezes e, devido a alegações da defesa de que haveria irregularidades, o processo continuou em aberto por alguns anos.

Em 1994, após lançar o livro “Sobrevivi...posso contar”, narrando as violências sofridas por ela e pelas três filhas, Maria da Penha acionou o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), que encaminharam seu caso para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), em 1998.

O caso de Maria da Penha só foi solucionado em 2002 quando o Estado brasileiro foi condenado por omissão e negligência pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. A partir daí, o Brasil foi obrigado a se comprometer em reformular suas leis e políticas em relação à violência doméstica.

Sobre a Lei

No final de 2001 e início de 2002, um grupo de operadoras do Direito se debruçou na necessidade de o Brasil cumprir a Convenção de 1994 da OEA, que ficou conhecida como a Convenção de Belém do Pará, que tinha o objetivo de estabelecer ações para prevenir, punir e erradicar a violência contra as mulheres. Essa convenção destacava que a violência contra as mulheres era uma violação dos direitos humanos. E como tal, deveria ser punida.

Nessa época o Brasil não tinha elaborado uma lei de combate à violência contra as mulheres, e um grupo de operadoras do Direito tomou a si elaborar o texto dessa lei, tendo por base a Convenção de Belém do Pará, assim como um conjunto de recomendações do Comitê para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres, oriundo de outra Convenção, de 1979.

Depois de muitas discussões e tentativas de alteração, o texto foi aprovado no Congresso Nacional e a lei foi sancionada em ato público que homenageou Maria da Penha Fernandes, que deu nome à lei.

Semana da Justiça pela Paz em Casa

Desde 2015, por iniciativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), os Tribunais de Justiça de todo o país promovem a Semana da Justiça pela Paz em Casa, realizando mutirões para julgar os processos de violência de gênero.

Para a 11ª edição da campanha, que acontecerá entre os dias 20 e 24 de agosto, o TJRJ já agendou 1.391 audiências. O número é maior do que o registrado durante toda a 10ª edição, que computou 1.217 sessões. Só na Comarca da Capital serão 175 audiências.

Fotos: Julio César Guimarães/TJRJ

Capa: foto ilustrativa (Serviço de Identidade Visual)

JM/SP