Encerramento do 2º Congresso Mundial de Direito Ambiental é marcado por apoio às ações do Judiciário em defesa da natureza e da humanidade
No encerramento do 2º Congresso Mundial de Direito Ambiental na noite desta sexta-feira (10/12), o presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), desembargador Henrique Carlos de Andrade Figueira, reafirmou o compromisso do Judiciário fluminense com a defesa do meio-ambiente e a importância da realização de eventos que promovam e ampliem a discussão sobre o Direito Ambiental.
Organizado pela Comissão Mundial de Direito Ambiental da International Union for Conservation of Nature (IUCN), o evento reuniu, durante três dias, no Tribunal Pleno do TJRJ, juristas, ambientalistas e professores de dezenas de países, que debateram temas como crise climática, biodiversidade, leis ambientais, crise hídrica e educação jurídica sobre mudanças climáticas.
“O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro se sente profundamente orgulhoso por ter recepcionado nesses três dias um congresso dessa magnitude. Um congresso que atingiu plenamente o seu objetivo, de difundir o meio ambiente, as teorias e teses jurídicas do meio ambiente aplicadas pelos magistrados. Essa simbiose de preceitos, aqui no Brasil, constitucionais, que ligam os direitos e deveres dos magistrados à função do Judiciário e também à proteção do meio ambiente é o que se espera de maior cuidado para o futuro”, destacou o desembargador Henrique Carlos de Andrade Figueira.
Em seu breve discurso, o presidente do TJRJ demonstrou sua preocupação com o futuro das próximas gerações.
“A agenda 2030 da ONU é de plena preocupação com estes elementos. O Judiciário precisa se debruçar sobre essa matéria e estar atento aos problemas do meio ambiente, porque trata-se do futuro do nosso planeta, das nossas nações. Não são poucas as oportunidades que temos de cuidar do planeta. É fundamental que possamos tratar bem o meio ambiente para que as próximas gerações tenham um lugar razoavelmente confortável e próprio para viver”, alertou.
Ao encerrar sua fala, o desembargador agradeceu o empenho de todos os envolvidos na organização do congresso, que aconteceu de forma híbrida, com palestras, painéis e debates de forma presencial e pela plataforma digital Zoom.
“Hoje, encerramos esse evento e daqui podemos tirar conclusões que, com toda certeza, contribuirão para que os operadores do Direito possam se debruçarem, pensarem e criarem novas situações que possam, de alguma forma, aprimorar a atuação do juiz nas questões do meio ambiente. Eu, como presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, agradeço, profundamente, cada participante, pela sua valiosa contribuição ao sucesso desse evento. Muito obrigado a todos”.
Em sua participação por vídeo, diretamente do Marrocos, o vice-presidente da Comissão Internacional de Direito Ambiental da IUCN, Ayman Cherkaoui, enalteceu o sucesso do Congresso.
“Em nome da Comissão Internacional de Direito Ambiental, gostaria de agradecer aos palestrantes e organizadores, que contribuíram nesses três dias de evento com grandes ações, criatividade e ideias para a comunidade jurídica. A vida é sagrada e esse evento, com certeza, foi sagrado e cultural. Acredito que todos nós aprendemos muito aqui e que saímos daqui com a certeza de que ainda temos muito o que desenvolver nessa área do meio ambiente”.
Também participando por vídeo, desta vez, falando diretamente de Bonn (Alemanha), o diretor do Centro de Direito Ambiental do IUCN, Alejandro Iza, também elogiou a organização do congresso e destacou o papel fundamental dos juízes nas ações em defesa do meio ambiente.
“Nesses três dias ouvimos distintos oradores com visões sobre o Direito Ambiental. Os juízes estão na linha de frente dessa questão. São os guardiões da lei. Os juízes têm o poder de exigir a aplicação da legislação ambiental. A natureza tem direitos, sim, de acordo com as constituições de vários países. E os juízes representam o poder que a litigância tem na defesa da biodiversidade”, afirmou.
A diretora regional do escritório do PNUMA para América Latina e Caribe, Jacqueline Alvarez, destacou o papel do Judiciário no combate à crise planetária ambiental.
“Gostaria de destacar a importância dos juízes na Agenda Ambiental. Hoje estamos enfrentando uma crise planetária tripla, ou seja: mudança climática, perda da biodiversidade e poluição. Que essa questão esteja na agenda do Poder Judiciário de todo o mundo. Um meio ambiente limpo, saudável e sustentável é um direito de toda a humanidade”, defendeu.
O presidente da Amaerj, juiz Felipe Gonçalves também avaliou que o congresso vai contribuir para o aprimoramento do Direito Ambiental.
“Foi uma honra para a Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro cooperar na organização desse congresso. A proteção da dignidade humana é um princípio fundamental do estado democrático. Cabe aos magistrados, com independência e autonomia, e aos demais atores do sistema de Justiça garantir esse direito. Nesses três dias de congresso, magistrados, juristas, professores e especialistas abordaram temas essenciais para fortalecer o ordenamento jurídico e a sua aplicação. Esse evento resultará, certamente, no aprimoramento imprescindível do Direito Ambiental”, considerou.
Último dia de debates
Como proteger os defensores do meio ambiente com uma legislação que garanta o planeta sustentável e respeite os direitos humanos? Este foi um dos desafios lançados pelos participantes do terceiro e último dia do 2º Congresso de Direito Ambiental na manhã desta sexta-feira (10/12).
E, no centro do tema, estão as populações indígenas e os ambientalistas, que, muitas vezes, perdem suas vidas para defender o meio ambiente e como os legisladores podem atuar para evitar crimes que, além de destruir várias formas de vida no bioma, poderiam criar uma proteção jurídica para os ambientalistas.
“São 476 milhões de indígenas em todo o mundo que defendem aproximadamente 35% da área protegida do planeta. O direito indígena existe e está mantido entre suas culturas e tradições. Esse é o momento de nos juntarmos e criarmos uma legislação que garanta a vida, a sobrevivência dos defensores da terra para que a humanidade possa continuar existindo“, disse Ramiro Batzin Chojoj, coordenador Global do Fórum Indígena Internacional sobre Biodiversidade.
A francesa Agnes Michelot, professora da Unversidade La Rochelle falou no painel sobre a crise nos oceanos e fez uma alerta. “Os oceanos são nossa fonte de sobrevivência. Eles representam ¾ do nosso planeta. É único, complexo, pouco conhecido e muito maltratado. Nossos rios têm de ser protegidos e se faz urgente, a nível mundial, uma legislação que se faça eficaz para que os juízes tenham, nas mãos, condições de proteger nossas riquezas marítimas”, afirmou a professora.
Para ela, a França já possui um dispositivo de proteção, uma lei de prejuízo ecológico, que garante um cerco de proteção ambiental, e que essa ideia poderia ser discutida e aplicada em outros países e em tribunais especiais internacionais.
Painéis de encerramento
No painel “Direitos da Natureza”, coordenado por Émilie Gaillard, professora da Sciences Po Rennes, França e pelo desembargador Paulo Celso Ayrosa Monteiro de Andrade, presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, o ministro Alfredo Gutierrez, da Suprema Corte do México, iniciou sua palestra apresentando um caso julgado em 2018, de uma ação movida por moradores vizinhos de um manguezal que estava sendo destruído em razão de uma obra do estado que violava o direito ambiental. O Tribunal deu ganho de causa aos vizinhos e suspendeu a obra pública, determinando a reparação e recuperação do ecossistema do manguezal.
“O meio ambiente é um bem público. Ninguém pode ser dono dele. Assim, uns não podem se beneficiar em prejuízo de outros. O litígio ambiental é direito público pois transcende os direitos individuais", destacou.
O juiz Agustín Grijalva Jiménez, do Tribunal Constitucional do Equador, invocou o artigo 10 da Constituição do seu país para citar decisão recente, de novembro último, de uma ação movida pelo município de Cotacachi contra concessões de média e grande escala para exploração de mineração de cobre e ouro no Bosque Protetor Los Cedros.
“A Constituição do Equador garante os direitos da natureza. Não podemos distinguir o Direito do meio ambiente sadio como o da água e os direitos da natureza. O artigo 10 da Constituição, que estabelece os direitos da natureza, não é uma questão retórica”, afirmou.
Fechando o painel, o juiz Luis Tolosa, da Suprema Corte da Colômbia, chamou a atenção sobre as graves ameaças à biodiversidade que devem ser enfrentadas por todos.
“Há uma ameaça mundial que faz com que tenhamos que estar vigilantes. O hiato que existe entre a ciência, o mundo acadêmico e o direito é cada vez maior. As constituições começaram a pensar nessas questões, mas os códigos e normas ainda estão muito distantes do ideal. É preciso que lutemos pelos direitos das gerações futuras."
No painel Justiça, Floresta e Áreas Protegidas, coordenado pelo juiz Nitin Jamdar, do
Supremo Tribunal de Bombaim,na Índia, e por Alejandra Rabasa, pesquisadora do Centro de Estudos Constitucionais da Suprema Corte do México, a primeira palestrante, juíza Norma Piña, avaliou ser necessária uma resposta mais rápida do Judiciário em relação às questões ambientais.
“O papel do juiz com relação ao meio ambiente tem que evoluir no sentido de obter uma resposta mais ágil e objetiva em relação a esse direito. Porque os elementos probatórios são de difícil acesso, de difícil compreensão e de custos elevados que, em sua grande maioria, não podem ser arcados por aqueles que são afetados pela agressão ao meio ambiente. Os juízes têm a obrigação de utilizar o ‘in dúbio pro natura’, que significa, ‘na dúvida, pro natureza’”.
Em seguida, o professor Braulio Dias, ex-secretário executivo da Secretaria da Convenção sobre Diversidade Biológica, do Ministério do Meio Ambiente, chamou a atenção para a questão das espécies ameaçadas.
“Apesar de todas as medidas que têm sido tomadas para tentarmos reduzir esse risco, ainda estamos perdendo essa batalha. Só os ministérios do meio ambiente dos países não serão suficientes para resolver esse problema. É papel dos juízes imporem o estado de direito perante a sociedade em relação ao respeito à biodiversidade.”
Encerrando o painel, o juiz federal Marcus Livio Gomes, do Conselho Nacional de Justiça do Brasil (CNJ), falou sobre a importância de se criar uma interface pública de acesso às informações sobre as ações envolvendo questões ambientais. Ele apresentou as características do SireneJud, painel informativo instituído por resolução conjunta do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), aprovada em junho passado.
“O SireneJud é um painel interativo, que apresenta os dados ambientais com ferramentas para indicar com precisão o lugar de ocorrência dos danos ao meio ambiente discutidos em ações judiciais ou objeto de Termos de Ajustamento de Conduta (TAC). É um caminho para acelerar as matérias que envolvam a política ambiental, a partir da padronização e harmonização das informações ambientais dentro dos tribunais.”
No painel que apresentou os resultados do Congresso, coordenado pela juíza Daniela Bandeira, juíza auxiliar da presidência do TJRJ, e pelo juiz Bruno Bodart, juiz auxiliar da presidência do STF, a professora Denise Antolini, da Escola de Direito da Universidade do Havaí e membro do Comitê Diretor da WCEL, frisou a importância da transparência no acesso à Justiça.
“É fundamental a troca intelectual entre magistrados, juristas e especialistas, como está ocorrendo nesse congresso. Essa troca de informações permite buscarmos solução para uma maior transparência no acesso à Justiça, através do compartilhamento de dados. Temos que procurar alcançar o maior nível de comprometimento do Judiciário com a causa ambiental. Precisamos acelerar todos os nossos esforços nesse sentido. Não há tempo a perder.”
O professor Nicholas Bryner, da Universidade de Louisiana, EUA, elogiou a contribuição de todos os palestrantes do congresso e reforçou a necessidade de pensarmos nas futuras gerações.
“Nos últimos nove anos, posso afirmar que o trabalho da Comissão do Direito Ambiental floresceu. A participação do Judiciário nessa área tem se tornado cada vez mais efetiva. As futuras gerações dependem de nós. Que possamos olhar para o futuro e constatar que esse congresso tenha sido um ponto de inflexão, no sentido de produzir frutos para as próximas gerações”.
No painel de apresentação dos discursos de encerramento, coordenado pela ex-ministra do Paraguai e presidente emérita da Comissão Mundial de Direito Ambiental, Sheila Abed, e pelo ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o juiz Fabien Raynaud, membro do Conselho do Estado da França, falou sobre a importância da troca de informações entre os magistrados que atuam nas ações envolvendo questões ambientais.
“Os defensores do meio ambiente hesitam cada vez menos e acionam o Judiciário contra atos promovidos pelo estado que atingem os direitos do meio ambiente. Que as decisões tomadas pelos juízes possam ser cada vez mais divulgadas e compartilhadas com seus pares de todos os países e que não fiquem no plano teórico, mas se tornem efetivas de modo a atender às demandas que originaram as ações”.
O ministro Ricardo Lorenzetti, da Suprema Corte da Argentina e professor da Universidade de Buenos Aires, Argentina, considerou que o estudo do impacto ambiental não deve ser isolado.
“O estudo do impacto ambiental deve ser sistêmico e não isolado. Temos que sair da visão do indivíduo para um todo. Temos que considerar a linha de atuação do Judiciário nas questões ambientais, ela deve passar de antropocêntrica para ecocêntrica. Mas que isso não se limite a uma questão apenas filosófica”, finalizou.
JM/PF/FS