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Processos históricos: caso Daniella Perez, um dos mais marcantes do Judiciário fluminense
Notícia publicada por Secretaria-Geral de Comunicação Social em 30/10/2025 11h53

Chacina da Candelária, assassinatos da atriz Daniella Perez e da socialite Ângela Diniz, primeiros divorciados do Brasil e inventários dos artistas Tim Maia e Raul Seixas. Estes são alguns dos processos famosos que tramitaram no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) e que foram relembrados na exposição “Memória em Julgamento: histórias que marcaram a Justiça e a sociedade”, sediada este ano no Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília. 

A mostra inédita apresentou a trajetória judicial brasileira e a construção da democracia, do Brasil Colônia até os dias atuais, fruto de uma parceria entre o STF e o TJRJ. “Ao falarmos da evolução do Judiciário, estamos falando da evolução da própria sociedade brasileira, pois ele representa a forma como os magistrados valoram a sociedade e as leis ao decidir. Se pensarmos que a história reflete o amanhã, nós temos aí uma importância enorme para trazer todos esses dados, os processos como foram julgados, a visão que se tinha naquela época e a que se tem hoje”, destacou o presidente do TJRJ, desembargador Ricardo Couto, em visita à exposição. 

Um crime que chocou o país 

Cerca de 33 anos atrás, o Rio de Janeiro se tornou o palco de um dos crimes mais marcantes da história midiática brasileira. O assassinato da atriz Daniella Perez chocou o país no início da década de 1990. Filha da autora Glória Perez, a jovem atriz era a estrela da novela “De Corpo e Alma” na época e estava em ascensão antes de ser vítima de um crime bárbaro, recebendo 18 punhaladas de tesoura, sendo oito no coração.  

As investigações rapidamente revelaram que os responsáveis seriam o ator Guilherme de Pádua, que contracenava com Daniella como seu par romântico na novela, e sua então esposa, Paula Thomaz. De acordo com a acusação, o crime teria sido motivado por inveja e ressentimento, pois o ator buscava mais destaque para o seu personagem na narrativa, escrita pela mãe da vítima, e assediava a atriz, fato que foi confirmado por membros da produção do programa.  

O crime 

Na tarde de 28 de dezembro de 1992, Daniella e Guilherme gravaram a cena do fim do romance entre Yasmin e Bira, seus respectivos personagens. Após as gravações, segundo testemunhas, o ator chorou, procurou por Daniella diversas vezes no camarim e lhe entregou dois bilhetes, cujo conteúdo não foi revelado, mas que a deixaram visivelmente nervosa. 

Na semana do crime, Pádua teria ficado inseguro ao saber que seu personagem não iria aparecer em dois capítulos e acreditava que Daniella influenciava essa redução. Temendo que ela tivesse contado à mãe sobre suas investidas, ele passou a manipular sua esposa, conhecida por seu ciúme e temperamento agressivo. Juntos, planejaram o assassinato. 

No fim da tarde, Guilherme deixou os estúdios Tycoon — centro de produção televisiva da TV Globo, localizado entre os bairros de Jacarepaguá e Curicica, na Zona Sudoeste do Rio de Janeiro — e seguiu para seu apartamento em Copacabana, onde buscou a esposa, que estava grávida de quatro meses. Em seguida, o casal retornou aos estúdios, onde Daniella ainda gravava. No local, Paula permaneceu deitada no banco de trás do carro, coberta por um lençol, enquanto Guilherme voltava para concluir suas cenas.  

                                          Testemunho do garagista do prédio de Guilherme de Pádua,  foi crucial para a acusação 

Por volta das 21h, as gravações chegaram ao fim. No estacionamento, Guilherme e Daniella tiraram fotos com fãs antes de deixarem o local. Ele saiu dirigindo seu Volkswagen Santana e, pouco depois, ela deixou o estúdio em seu Ford Escort. Em seguida, Guilherme parou próximo a um posto de gasolina onde Daniella abastecia, segundo frentistas. Ao sair do local, ele fechou o carro dela. Os dois desceram dos veículos, e Guilherme a agarrou pelo pescoço, dando-lhe um soco que a deixou inconsciente. 

Ele, então, colocou Daniella no banco de trás do Santana, agora conduzido por Paula, e assumiu o volante do Escort. Os carros seguiram até um matagal na Barra da Tijuca, especificamente na Rua Cândido Portinari, próximo ao Condomínio Rio-Mar, onde Guilherme e Paula apunhalaram Daniella dentro do Santana e a arrastaram para a parte mais densa do mato para esconder seu corpo. A perícia apontou 18 golpes, atingindo pulmão, coração e pescoço.  

Evidência fotográfica demonstrando uma descrição detalhada da cena do crime, incluindo os carros de Daniella e Guilherme 

 Testemunho crucial 

Uma testemunha estava passando pelo matagal e estranhou a presença de dois carros num local deserto como aquele. Imaginando que fosse um assalto, anotou as placas dos veículos e acionou a polícia, afirmando depois ter visto um homem e uma mulher de rosto arredondado, identificada como Paula. O depoimento do advogado foi fundamental para a investigação e a identificação dos assassinos.   

Quando a polícia chegou, encontrou apenas o Escort e os documentos do carro em nome do ator Raul Gazolla, marido de Daniella. Enquanto um policial foi até a casa de Raul, o outro ficou no local e, ao se proteger atrás de uma árvore por causa da escuridão do local, acabou tropeçando no corpo da atriz. 

                                                                    Foto que mostra o matagal na Barra da Tijuca onde o crime ocorreu 

Com as placas anotadas, os investigadores foram aos Estúdios Tycoon e descobriram que o carro pertencia a Guilherme de Pádua. Logo foi comprovado que ele havia adulterado a placa com fita isolante, derrubando a tese de crime passional usada pela defesa. 

Na manhã do dia 29, a polícia levou Guilherme à delegacia. Inicialmente, ele negou o crime, mas, diante das provas, confessou ainda naquele dia. Paula chegou a admitir participação em conversa com policiais, mas, depois, negou em depoimento. No entanto, o delegado ouviu uma ligação em que Guilherme afirmava que assumiria tudo sozinho, reforçando as suspeitas contra ela. 

As condenações 

A prisão em flagrante do casal ocorreu na manhã do dia 29, pela 16ª Delegacia de Polícia da Barra da Tijuca. O processo foi inicialmente distribuído em 4 de janeiro do ano seguinte, e a denúncia recebida no dia 9, pela 2ª Vara Criminal da Comarca da Capital. Nesse período, nasceu, na prisão, Felipe, filho de Paula e Guilherme.  

Nos cinco anos que antecederam o julgamento, Guilherme apresentou diversas versões à imprensa, incluindo a alegação de que Paula também havia participado do crime — uma das razões que levou o casal ao divórcio. 

Na manhã de 25 de janeiro de 1997, após quase 68 horas de deliberações e debates, o julgamento terminou com a condenação de Guilherme de Pádua pela morte de Daniella Perez, por cinco votos a dois. Ao julgar procedente a pretensão punitiva estatal e condená-lo a 18 anos e 6 meses de prisão, o juiz-presidente do II Tribunal do Júri, José Geraldo Antônio, afirmou o seguinte sobre a postura de Guilherme durante a consumação do crime: 

“A conduta do Réu exteriorizou uma personalidade violenta, perversa e covarde, quando destruiu a vida de uma pessoa indefesa, sem nenhuma chance de escapar ao ataque do seu algoz, pois, além da desvantagem na força física, o fato se desenrolou em local onde jamais se ouviria o grito desesperador e agonizante da vítima. Demonstrou o réu ser uma pessoa inadaptada ao convívio social, por não vicejarem no seu espírito os sentimentos de amizade, generosidade e solidariedade, colocando acima de qualquer outro valor a sua ambição pessoal. Diante destas circunstâncias, onde se acentua um intenso grau de culpabilidade, impõe-se uma resposta penal condizente com a exigência da necessidade e suficiência para reprovação e prevenção do crime, consoante determina o dispositivo legal norteador da aplicação da pena. O acusado, em que pese sua personalidade antes retratada, é primário”.  

A condenação de Paula Thomaz ocorreu cerca de quatro meses depois, em 16 de maio de 1997. Por quatro votos a três, ela foi sentenciada a 18 anos e seis meses de prisão. Após deixar a prisão, Paula casou-se novamente e passou a cursar Direito. Guilherme, por sua vez, retornou à sua cidade natal, Belo Horizonte, casou-se mais duas vezes e morreu em 2022, devido a um infarto. 

VM/ SF