Rio Innovation Week: presidente do TJRJ defende uso responsável da IA no Judiciário
O presidente do TJRJ, desembargador Ricardo Couto de Castro (ao centro), participa de debate sobre IA no Judiciário ao lado do diretor jurídico da Globo, Antônio Claudio Ferreira Netto, e da presidente da OAB-RJ, Ana Tereza Basílio
O presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), desembargador Ricardo Couto de Castro, defendeu o uso responsável da inteligência artificial no Judiciário, enfatizando que a tecnologia deve apoiar — mas nunca substituir — a decisão do magistrado. Ele participou na manhã desta sexta-feira, 15 de agosto, do painel “IA no Judiciário e na Advocacia”, na programação da Rio Innovation Week, realizada no Píer Mauá, no Centro do Rio.
O debate reuniu magistrados, representantes da advocacia e do setor privado para discutir impactos, desafios e perspectivas do uso da inteligência artificial (IA) no sistema de Justiça.
Em sua fala, o presidente do TJRJ apresentou o Assis, solução de IA do Tribunal operada em ambiente seguro, com foco em transparência e apoio direto à atividade jurisdicional. Ao detalhar a ferramenta, o magistrado enfatizou ganhos concretos de tempo e recursos, com ambientes isolados, políticas de proteção de dados e respeito à autoria do magistrado. O desembargador acrescentou que o Assis permite estilos redacionais compatíveis com a prática de cada gabinete e que a inclusão de dados é feita pelos próprios juízes, reforçando a governança e responsabilidade.
“O Assis foi pensado para auxiliar a redação e padronizar rotinas sem engessar o raciocínio jurídico. O julgador continua no centro do processo decisório”, frisou.
O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Ricardo Villas Bôas Cueva também reforçou que a decisão judicial permanece como função indelegável do magistrado e que a IA não deve ser tratada como “oráculo digital”. Para o ministro, governança e ética são condições indispensáveis: as ferramentas são eficientes, mas têm limitações e estão sujeitas a usos indevidos, inclusive por terceiros. Ele observou que o Judiciário vem entregando resultados e que, de outubro de 2022 para cá, houve uma virada do uso de análises preditivas - que usam modelos estatísticos e algoritmos de machine learning para identificar padrões e prever resultados futuros com base em dados históricos e atuais - para IAs generativas - que se concentram na criação de novos conteúdos, como texto, imagens, áudio, vídeo e código, com base em um aprendizado prévio sobre um grande conjunto de dados - , mantendo o ser humano no centro das atenções. O ministro também pontuou que há déficit regulatório e que cabe ao Legislativo, e não ao Judiciário, definir o marco normativo.
A presidente da OAB-RJ, Ana Tereza Basilio, teceu elogios ao Assis, do TJRJ, e disse que a IA tem tornado mais eficiente o trabalho da advocacia, mas que não se deve abrir mão de controles e transparência. Ela ponderou que a evolução tecnológica expôs lacunas de regulamentação que precisam ser endereçadas com urgência, em diálogo entre Poderes e sociedade civil.
Já o presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), desembargador federal Luiz Paulo da Silva Araújo Filho, apresentou o panorama de ferramentas de IA já adotadas no Judiciário federal e propôs que as decisões tragam registro explícito sempre que houver apoio de IA, compondo um banco estatístico capaz de orientar gestão e políticas públicas. Para ele, qualquer solução aplicada à Justiça precisa assegurar aspectos como auditabilidade e explicabilidade, de modo que se conheça o caminho do raciocínio, o porquê das recomendações e a adequação ao caso concreto.
Participaram do debate a vice-presidente Jurídica e de Assuntos Corporativos para a América Latina da Microsoft, Alessandra Del Debbio, que defendeu equilíbrio entre regulação e adoção prática da IA; o diretor de Inclusão Digital e Inovação da OAB, William Rocha, que abordou inclusão digital e capacitação contínua para uso responsável de IA por advogados e instituições; o diretor executivo do BTG Pactual, Eduardo Lang, que apontou tendências: menos alucinações; maior capacidade de dados e multimodalidade, considerando que muitas provas e peças já nascem em áudio e vídeo; o diretor jurídico das Organizações Globo, Antônio Cláudio Ferreira Netto, que tratou dos desafios de direitos autorais em disputas envolvendo IA e a conselheira e presidente da Comissão Especial da Justiça Federal da OAB-RJ, Alessandra Lamha Carneiro, que sublinhou a importância de transparência e interoperabilidade entre sistemas.
O desembargador Ricardo Couto fala sobre o uso da ferramenta Assis no TJRJ
O que é o ASSIS?
O Assis é o assistente jurídico de IA generativa do TJRJ, criado para apoiar magistrados, especialmente na elaboração de minutas de relatórios, decisões e sentenças em processos eletrônicos de 1ª instância, com foco em produtividade e qualidade da prestação jurisdicional. O Assis opera em ambiente controlado/isolado, com políticas de proteção de dados e governança.
Inclusão em debate
O advogado Geraldo Marcos Nogueira Pinto, a desembargadora Regina Lúcia Passos e a policial civil Beatriz Fróes, durante o painel
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro também foi convidado, na quinta-feira, para debater no evento sobre os desafios e avanços da inclusão no país. No painel sobre os 10 anos da Lei Brasileira de Inclusão, a presidente da Comissão Permanente de Acessibilidade e Inclusão (Comai) do TJRJ, desembargadora Regina Lúcia Passos, defendeu que a norma seja aplicada diariamente e não apenas no papel.
“Que a Lei Brasileira de Inclusão seja vivificada a cada dia, essa é a nossa missão: transformá-la em realidade. A sociedade precisa escolher se quer viver em um país onde tudo dependa de uma avalanche de leis ou aplicar ética, equidade e justiça no dia a dia.”
Criada com base na Convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e incorporada à Constituição, a LBI é considerada uma das mais completas do mundo.
Participaram também do painel o advogado e superintendente de Ações para PcD no RJ, Geraldo Marcos Nogueira Pinto, e a policial civil e ativista Beatriz Fróes.
A desembargadora defendeu que a Lei Brasileira de Inclusão seja aplicada no dia a dia
Geraldo Pinto destacou o papel da Comai. “Antes, enfrentei barreiras até para entrar em uma sala de audiência. Hoje, o Tribunal mudou completamente com o trabalho da comissão”.
Já a policial civil e ativista Beatriz Fróes lembrou que, antes da LBI, as normas eram fragmentadas. “Ela não é perfeita, mas está entre as melhores do mundo. O que muda a realidade são ações concretas que combatem o capacitismo”.
A Comai atua para promover acessibilidade física, comunicacional e de cultura no Judiciário, garantindo que o acesso à Justiça seja efetivo para todos.
FB/MB
Fotos: Rafael Oliveira e Brunno Dantas / TJRJ