Especial 'Fusão, 50 anos': primeiros divorciados do Brasil são do Rio de Janeiro
Sonho de muitos casais, o casamento é visto como um importante passo na vida em comum. Partilhar a trajetória com alguém que amamos pode ser sinônimo de um “final feliz”. Porém, nem sempre isso acontece. E, às vezes, a separação e reconstrução dos caminhos de cada um são necessárias.
Até 1977, quem casava permanecia com um vínculo jurídico para sempre. Se a convivência não se tornasse mais possível, o casal poderia solicitar o “desquite”, que interrompia os deveres conjugais, assim como finalizava a sociedade entre os cônjuges. Com isso, os bens eram compartilhados, os dois passavam a viver separados, porém não poderiam voltar a se casar legalmente e não existia a figura da união estável nem qualquer proteção aos direitos dos que não fossem casados e vivessem juntos.
Sancionada em 26 de dezembro de 1977, a Lei do Divórcio possibilitou que os divorciados pudessem casar novamente e resolver, de fato, o fim do vínculo conjugal que não deu certo.
Casamento de novo só mais uma vez
Pela Lei do Divórcio, os ex-cônjuges poderiam voltar a se casar, porém somente uma vez. Foi após Constituição Federal de 1988 que passou a ser permitido o modelo que se conhece hoje, com a possibilidade de se casar e se divorciar quanta vezes desejar. Em 1988, o casamento civil poderia ser dissolvido pelo divórcio, desde que cumprida a prévia separação judicial por mais de um ano. No ano seguinte, a Lei 7.841, de 17/10/1989 eliminou a restrição à possibilidade de divórcios sucessivos. A partir de 2007, o divórcio e a separação consensuais passaram a poder ser requeridos por via administrativa, em cartório, dispensando a necessidade de ação judicial, mas apenas em caso de não haver filhos menores e quando for sem litígio.
Em 2010, foi aprovada a proposta de emenda constitucional (PEC) do Divórcio, sugerida pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Com a mudança, o casamento civil passou a poder ser dissolvido diretamente pelo divórcio, sem a necessidade de prévia separação judicial.
Conheça os primeiros divorciados do Brasil
Primeiro casal de divorciados do Brasil
Os advogados Arethuza Figueiredo Henrique Silva de Aguiar e Francelino França Ribeiro decidiram converter o seu dequite amigável, feito em 1970, em divórcio logo no início da vigência da nova lei. Em 28 de dezembro de 1977, dois dias depois da legislação em vigor, já estavam oficialmente divorciados por sentença do juiz Wilson Santiago Mesquita de Mello, da 1ª Vara de Família de Niterói. O casal permaneceu junto por sete anos e, da união, nasceram as filhas Ana Lúcia e Ângela. Consensualmente, dividiram os poucos bens que tinham em comum: ela ficou com os móveis e utensílios da residência, enquanto ele permaneceria com o carro Volkswagen fabricado em 1961.
Aos 88 anos, Francelino França carrega com orgulho a marca de ser o primeiro divorciado do Brasil. Conheceu sua primeira esposa, Arethuza, na Faculdade Federal de Direito, em Niterói, e, ao avistá-la pela primeira vez, disse a um amigo: “vou casar com ela”. E isso realmente aconteceu. “Eu estava no terceiro ano e vi o pessoal do primeiro ano entrando. Um rapaz estava do meu lado e eu falei para ele: vou casar com aquela moça ali. Ele se lembrou disso a vida toda”, contou.
Certidão de casamento do ex-casal com a averbação do divórcio
França, como é conhecido, retrata a juíza de paz niteroiense Arethuza como uma mulher “muito bonita, com excelente oratória”. Ele conta que o nome da ex-mulher foi escolhido pelo seu pai, que gostava muito de mitologia grega. Após o divórcio, se mantiveram distantes e reconstruíram suas vidas. “Uma coisa eu jurei para mim mesmo: nunca falar mal dela, nunca criticá-la”, disse.
Ele lembrou também que, novidade na época, o assunto divórcio era o tema do momento, tendo havido um debate na TV Tupi sobre quem era a favor do divórcio e quem era contra. “A Igreja Católica era contra, e o senador Nelson Carneiro foi quem liderou o divórcio no Congresso. Nós queríamos o divórcio, os melhores países do mundo já tinham, inclusive aqui na América Latina, na Argentina, por exemplo”, relembra ele, que chegou a dar entrevista para o programa dominical “Fantástico” na época. “Um desquitado era um desqualificado. Eu não podia ir ao colégio das minhas filhas no Dia dos Pais por ser desquitado. Até os pais de algumas meninas do prédio em que elas moravam não as deixavam brincar com suas filhas por isso”, disse.
Foi em um casamento que França foi apresentado a Eugênia, uma prima que ficara viúva, com dois filhos, e que, até então, não conhecia, e acabaram se unindo em 1980, permanecendo juntos até hoje. Já Arethuza teve outras posteriores uniões. A primeira divorciada do Brasil faleceu no ano passado, aos 85 anos.
França e Eugênia, esposa atual, com quem vive há 45 anos
SF/MB
Fotos: Brunno Dantas/TJRJ e acervo familiar
Fonte: Arquivo Central do TJRJ