Poderia ser uma segunda-feira como outra qualquer. Mas a segunda-feira, dia 17 de fevereiro, em especial, mudou a vida de uma senhora de 79 anos. Ao entrar pela primeira vez na recém-criada Vara Especializada em Pessoas Idosas (VEPI) do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, tendo à frente um juiz e uma promotora, ela, pôde, enfim, provar que está lúcida. Dona Beatriz (nome fictício dado para essa senhora que terá sua identidade preservada) é mais uma das centenas de vítimas da chamada violência patrimonial e financeira. Um crime contra idosos cada vez mais comum nos dias de hoje.
Dona de um patrimônio considerável, Beatriz foi vítima dessa violência que costuma ser praticada por pessoas da mesma família, com objetivo de obter lucro com o patrimônio construído ao longo de toda uma vida. Sagaz, a elegante senhora de gestos tranquilos e respostas firmes, provou ao juiz Carlos Eduardo Pimentel, durante a audiência de impressão pessoal, que é lúcida, dona de suas faculdades mentais e não teria motivo para ser interditada e nem passar para alguém o controle de seus bens.
“Sinto que estou voltando do inferno”
Dona Beatriz, em seu depoimento, disse ao magistrado que o processo de curatela que enfrenta e que foi instaurado por um primo tirou o seu sossego, a fez perder noites de sono, gerando muita insegurança. Mas ter a oportunidade de falar e se apresentar à Justiça fez com que ela, em suas próprias palavras, tivesse um sentimento de alívio: “Sinto que estou voltando do inferno”, disse, acrescentando que a intenção do autor do pedido de curatela era impedir que ela falasse com o juiz e provasse, assim, que não possui qualquer doença neurológica que a impeça de gerir sua vida normalmente.
O ambiente da 1ª VEPI é extremamente acolhedor. A sentença do processo de Beatriz será dada nos próximos dias. O juiz Carlos Eduardo Pimentel, que presidiu a audiência de impressão pessoal de dona Beatriz, destaca que a vara tem importância ímpar no auxílio aos idosos, pois ali podem ser ouvidos.
“Esse é um dos objetivos da audiência de impressão pessoal. É uma oportunidade para que a Justiça e o Ministério Público possam ouvir o idoso, numa ação que pode definir ou não a necessidade de curatela de uma pessoa que não esteja capaz”, ressaltou o juiz.
Nova vara conta com mais de 2 mil processos
A VEPI conta, em seu acervo, com 2.107 processos, em dois meses de instalação. A grande maioria migrou das Varas da Infância, da Juventude e do Idoso para a nova vara. O universo de ações é vasto. São processos que vão desde pedidos para a administração de herança (1 em andamento) e 65 pedidos de interdição, mas todas essas curatelas são analisadas minuciosamente para evitar casos como o dona Beatriz, por exemplo.
Nesses 60 dias já foram concedidas nove liminares, internações de urgência para idosos, concessão de tutela diante da impossibilidade do idoso em não ter mais capacidade de gerir sua vida e teve até idoso sem registro de nascimento, o que foi providenciado pela Justiça, para que fosse reconhecido como cidadão; além de abertos 17 processos por crimes previstos no Estatuto do Idoso e um afastamento do agressor do lar.
População vulnerável e que necessita urgência da Justiça
Para o juiz Carlos Eduardo Pimentel, a criação de uma vara especial para atendimento ao idoso é fundamental para garantir os direitos de uma população que está envelhecendo e que necessita da Justiça para garantir seus direitos e minimizar todo tipo de violência a que os idosos muitas vezes são submetidos. Outro ponto que o magistrado destaca é tornar os processos de idosos mais céleres, respeitando, é claro, todo rito processual.
O juiz fez uma análise do comportamento de algumas pessoas em ações de curatela que tem presidido. “A ganância do início é a ruína do final”.
Primeira Vara Especializada em Pessoas Idosas do país
A vara, pioneira no Brasil, tem como foco principal dar atendimento aos idosos em situação de vulnerabilidade, como vítimas de maus-tratos, negligência familiar e até golpes financeiros. A juíza Cláudia de Oliveira Motta, que que está à frente da 1ª VEPI junto com o juiz Carlos Eduardo Pimentel, explicou quais atendimentos estão sendo feitos. “Idosos em situação de vulnerabilidade é o foco. Atuamos junto aos que estão sem condições mínimas de vida e que não têm como garantir seus direitos. Iremos trabalhar com o MP e Defensoria Pública. Além das ações, nós vamos também encaminhar as denúncias, fazer vistorias em abrigos. Eu estou muito orgulhosa em poder fazer parte dessa história que se desenha à frente da VEPI", explicou a magistrada.
A juíza Cláudia Motta destaca o diferencial da VEPI e a parceria fundamental com o Ministério Público. “A vara especializada no direito ao idoso visa dar transparência, visibilidade e, principalmente, dar voz aos idosos. Nós temos que ouvi-los, até para saber suas mazelas e quais são suas necessidades. Às vezes se pensa que o idoso está incapaz. Mas que incapacidade é essa? Qual o grau? Um idoso com demência não tem vontade? Ele não pode preferir ficar na casa dele ao invés de ir para uma Instituição de Longa Permanência Para Idosos (ILPI)? Compete à Justiça, ao Judiciário, nossos técnicos, ouvir esses idosos”, afirma a magistrada.
Para a juíza, uma das prioridades é fiscalizar as ILPIs. Ela faz questão ainda de elogiar a parceria do TJRJ com o MP, fundamental para garantia dos direitos e bem-estar dos idosos, que carecem, cada dia mais, de cuidados e atenção especial numa sociedade que envelheceu e não pode dar as costas para essas pessoas que, muitas vezes, precisam de decisões rápidas.
PF/MB/FS