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Acesso à Justiça: Uma análise dos Juizados Especiais Cíveis no Brasil, de Leslie Shérida Ferraz
PÁGINA 80
Há quem acredite que o Brasil sequer vivenciou, de fato, o movimento do acesso à Justiça. Para alguns autores, os Juizados são parte de um projeto de "autorreforma" do Poder Judiciário, criados sem a participação da sociedade civil e sem a consolidação da primeira e segunda ondas, em resposta a um quadro de crise da Justiça.
PÁGINAS 82 - 83
Assim, a falta de consolidação da assistência judiciária e da tutela coletiva dificulta o desenvolvimento dos Juizados Especiais, comprometendo a qualidade dos serviços prestados. Apesar das deficiências na estruturação dos respectivos mecanismos entre nós, a doutrina prevê o surgimento de uma "nova" onda no movimento do acesso à Justiça.
A tese é proposta por Kim Economides, professor de direito na Universidade de Exeter, na Inglaterra, que trabalhou com Cappelletti como pesquisador no Projeto Florença. Para Economides, a quarta onda surge a partir da constatação de que a formação e a atuação adequada dos operadores do direito é pré-requisito para a mudança do sistema de Justiça e para o acesso efetivo dos cidadãos.
Embasando-se em diversos estudos empíricos, que apontam para a atuação dos advogados, juízes e promotores de justiça como um importante fator no tema do acesso à Justiça, Economides questiona o acesso e a forma de ingresso às faculdades de direito, além do modo como este é ensinado, e conclui que o ingresso democrático e o ensino de qualidade são precondições para o acesso à Justiça. (...)
A necessidade de mudança na mentalidade dos operadores do direito e do ensino jurídico - reiteradamente anotada por diversos doutrinadores brasileiros - é, a meu ver, questão central na consolidação do acesso à Justiça, uma vez que pode propiciar o progresso e a solidificação das demais ondas.
PÁGINAS 91 - 92
Enquanto alguns autores contextualizam o tema do acesso à Justiça nas garantias constitucionais do processo, outros focam o estudo na sua instrumentalidade ou efetividade. Haveria diferenças substanciais entre o conceito de acesso à Justiça qualificado e o que se convencionou chamar de processo civil de resultados? É o que tentarei aferir, por meio do levantamento bibliográfico.
Inicialmente, é preciso esclarecer que não existe, a rigor, um ramo científico autônomo denominado processo constitucional, que é, na verdade, um arranjo científico destinado a examinar o processo em suas relações com a Constituição (Cintra, Grinover e Dinamarco, 2004:81).
A tutela constitucional do processo apresenta uma dúplice configuração: (i) acesso à Justiça, ou direito de ação e defesa; (ii) direito ao processo (garantias do devido processo legal) (Cintra, Grinover e Dinamarco, 2004:82). É exatamente a primeira abordagem que importa ao nosso estudo.
O acesso à Justiça está previsto no art. 5°, inciso XXXV, que dispõe que “a lei não excluíra da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. A garantia, inicialmente concebida como o mero direito de ação/ingresso no Judiciário, ganhou contornos mais amplos, passando a significar o acesso à tutela jurisdicional “qualificada” (Silva, 1999).
Para Lord Woolf (1996), que conduziu, na Inglaterra, uma extensa pesquisa acerca do acesso à Justiça qualificado, para que o sistema judicial assegure esta garantia, é necessário:
- proporcionar resultados precisos e tratamento justo aos litigantes;
- adotar procedimentos adequados, a custos razoáveis;
- solucionar os casos com razoável velocidade;
- ser compreensível às pessoas que dele se utilizam;
- prover o máximo de “certeza” possível (o que envolve um bom sistema probatório);
- ser efetivo.
Segundo Paulo Cezar Pinheiro Carneiro (2000:55-101), os princípios que informam o acesso à Justiça são:
- acessibilidade, tangente à ideia da redução de óbices ao ingresso;
- operosidade, entendida como a correta conduta dos operadores do direito e da adequada utilização dos meios instrumentos processuais (próxima à ideia de adequação procedimental e financeira de Lord Woolf);
- utilidade, noção similar à de efetividade;
proporcionalidade (opção do julgador, com base no cotejamento dos possíveis resultados de uma dada medida, pela mais valiosa ou harmônica aos princípios jurídicos).