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Violência obstétrica: um tema atual
Notícia publicada por DECCO-SEDIF em 14/10/2019 15:14

Segundo declaração da Organização Mundial de Saúde (OMS), “(...) um crescente volume de pesquisas sobre as experiências das mulheres durante a gravidez, e em particular no parto, descreve um quadro preocupante: no mundo inteiro, muitas experimentam abusos, desrespeito, maus-tratos e negligência no período da gestação, durante a assistência ao parto e pós-parto. (...)”

O tema ainda é pouco discutido no Brasil, de forma que boa parcela da população desconhece seu conceito, abrangendo, inclusive, muitas mulheres que já foram vítimas dessa violência e não têm conhecimento deste fato. No País, não são raros os casos em que as mulheres permanecem com sequelas e, por vezes, sequer sobrevivem.

Mas, em que consiste esse tipo de violência?

A violência obstétrica engloba qualquer ato ou intervenção direcionado à mulher durante o pré-natal, parto ou puerpério, que cause dor, dano ou sofrimento desnecessário, praticada sem o seu consentimento explícito ou em desrespeito à sua autonomia. Pode ser física, psicológica, verbal, simbólica e sexual, além de negligência e discriminação.

Trazemos aqui alguns exemplos de atos que caracterizam este tipo de violência:

  • Negar o contato com o filho após o nascimento;
  • Tratamento agressivo, discriminatório, grosseiro, inclusive em razão de sua cor, etnia, raça, religião, estado civil, orientação sexual e número de filhos;
  • Omissão de informações, desconsideração dos padrões e valores culturais das gestantes e parturientes e divulgação pública de informações que possam insultar a mulher;
  • Não permitir a presença de acompanhante, escolhido pela gestante, durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato;
  • Não receber alívio da dor.

Atento ao fato de que os nossos indicadores de mortalidade materna e infantil ainda são elevados e visando à mudança no modelo de atendimento obstétrico, o Ministério da Saúde instituiu, no âmbito do Sistema Único de Saúde, a Rede Cegonha.

Criado pela Portaria GM/MS nº 1.459/2011, o Programa consiste numa rede de cuidados que visa assegurar à mulher o direito ao planejamento reprodutivo e à atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério, bem como à criança, o direito ao nascimento seguro, ao crescimento e ao desenvolvimento saudáveis.

No âmbito jurídico, a Justiça do Rio, por exemplo, mesmo sem utilizar especificamente o termo violência obstétrica, tem examinado e decidido casos sobre o tema, que é abordado nos acórdãos como erro médico, responsabilidade civil do ente público (Estado, Município e União) ou de estabelecimento hospitalar.

Descrita como uma das formas de violência obstétrica, a privação do direito à acompanhante durante período de trabalho de parto foi julgada pela Oitava Câmara Cível na Apelação Cível nº 0002010.50.2015.8.19.0078.

Nos autos da Ação Indenizatória, os autores descreveram que o pai teve seu acesso ao centro obstétrico vedado e, com isso, foi privado de acompanhar e filmar o nascimento de sua filha. A mãe, por outro lado, não teve o amparo psicológico do marido no momento do parto.

Na sentença, o Município de Armação de Búzios foi condenado ao pagamento de R$ 20 mil aos autores a título de danos morais. O magistrado embasou sua decisão na Lei 11.108/2005 que alterou a Lei 8.080/90 e garantiu às parturientes o direito à presença de acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato.

Em grau de recurso, o desembargador relator manteve a condenação ao pagamento de indenização reduzindo o quantum indenizatório para R$ 5 mil.

Já na Apelação Cível nº 0000457-09.2007.8.19.0058, foi abordada a negligência e a omissão da equipe médica, na condução do trabalho de parto, com o bem-estar do feto e cuidados necessários com o recém-nascido.

Laudo pericial descreve associações de remédios que não deveriam ser utilizados e que são destinados a retardar o parto, falta de acompanhamento compatível com a medicação ministrada e ausência de médico pediatra para acompanhar o recém-nascido.

Nos autos, ficou demonstrado que a equipe médica não adotou as medidas necessárias para a realização do parto em segurança, ficando provado, ainda, que os erros resultaram em sofrimento fetal e contribuíram para a morte do recém-nascido.

Foi reconhecida a responsabilidade civil do Município de Saquarema, sendo condenado o ente público ao pagamento de R$ 200 mil a título de danos morais.

No Estado de São Paulo, o Tribunal de Justiça, na Apelação nº 0001314-07.2015.8.26.0082, julgou um processo no qual foram elencadas várias ações descritas como violência obstétrica. A autora sofreu, por ocasião de seu parto, violação a vários de seus direitos, tais como: direito à assistência digna e respeitosa durante o parto, privação do direito à acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, ofensas verbais e impossibilidade de contato com o filho após o nascimento.

Em sua decisão, o desembargador relator ressaltou que “(...) O parto humanizado é direito fundamental e visa proteger a mulher durante a gestação, pré-parto e puerpério, bem como se destina à erradicação da violência obstétrica. (...)”

Confirmada a decisão de 1ª instância, o estabelecimento hospitalar onde ocorreram os danos foi condenado ao pagamento de R$ 50 mil por danos morais.

 

CPA/CHC