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Crimes cibernéticos: evolução da legislação brasileira
Notícia publicada por DECCO-SEDIF em 04/06/2019 16:14

O significativo desenvolvimento tecnológico ocorrido nas últimas décadas, aliado ao barateamento no custo final de aparelhos como smartphones, smart tvs, laptops, tablets, consoles de videogames e computadores pessoais (PC), possibilitaram um crescimento exponencial de usuários na rede mundial de computadores, a Internet. Segundo dados das Nações Unidas, o Brasil ocupa o 4º lugar em números de internautas, com mais de 120 milhões de pessoas conectadas a rede. E o número de smartphones no país já ultrapassou o número de habitantes (236 milhões aparelhos x 210 milhões de habitantes, segundo dados de 2018).

Essa massificação, no entanto, atraiu também àqueles dispostos a praticar todo o tipo de crime no mundo virtual: vendas fraudulentas ou de produtos ilegais, clonagem de cartões, roubo de senhas ou dados pessoais, divulgação de notícias falsas (as famosas fake news), invasão de privacidade, pedofilia, crimes contra a honra, racismo e muitos outros.

Um relatório da Norton Cyber Security, do início de 2018, colocou o Brasil como o segundo país com maior número de casos de crimes cibernéticos, ficando atrás apenas da China. Por volta de 62 milhões de brasileiros foram afetados por algum crime cibernético em 2017. Os usuários de smartphones e do aplicativo WhatsApp são os mais visados pelos criminosos virtuais. O phishing é a prática mais comum utilizada pelos golpistas e consiste em enviar conversas ou mensagens falsas com links fraudulentos. Quando tais links são abertos, ocorre roubo de dados do usuário ou direcionamento para lojas virtuais falsas, por exemplo.

O mundo das leis não acompanhou no mesmo ritmo esse crescimento vertiginoso da internet e dos crimes virtuais. Apesar de existir comercialmente no Brasil desde meados dos anos 90, somente em 2008 uma lei alterou o Estatuo da Criança e do Adolescente, para penalizar a pornografia infantil virtual. Leis específicas de combate a crimes virtuais, alterando o Código Penal, só entraram em vigor em 2012.

Em 2013, a contratação por comércio eletrônico foi objeto de Decreto Presidencial. E, finalmente, em 2014 foi sancionada a Lei 12.965, chamada de Marco Civil da Internet, criada para estabelecer princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil. Segue um breve resumo de tais Leis.

A Lei 11.829 de 2008 alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente, introduzindo artigos para aprimorar o combate à pornografia infantil e “criminalizar a aquisição e a posse de tal material e outras condutas relacionadas à pedofilia na internet”. Ela instituiu, dentre outras, pena de reclusão de 3 a 6 anos para quem “oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente”.

Ela foi seguida pela Lei 12.015, de 2009 que também alterou o E.C.A. e instituiu, dentre outras, pena de reclusão de 1 a 4 para quem se relacionar com menores de 18 anos em salas de bate-papo da Internet.

 

Em 2012, foi sancionada a Lei 12.737, que trata da invasão de computadores por hackers e acrescentou os artigos 154-A e 154-B ao Código Penal, originando o tipo penal “Invasão de dispositivo informático”, além de modificar os artigos 266 e 298. Ela trata de invasão de computadores e ficou conhecida como Lei Carolina Dieckman, atriz brasileira que teve fotos íntimas que estavam em seu computador furtadas e divulgadas virtualmente. A enorme repercussão do caso e a inexistência de legislação adequada para tratar do assunto, foram fatores determinantes para acelerar a criação da Lei. Dentre as penas por ela previstas estão:

 

  • detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa para “invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita”

 

  • reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave “se da invasão resultar a obtenção de conteúdo de comunicações eletrônicas privadas, segredos comerciais ou industriais, informações sigilosas, assim definidas em lei, ou o controle remoto não autorizado do dispositivo invadido”

 

Já a Lei 12.735, também de 2012, determinou a estruturação e especialização das policias judiciárias para combate a delitos na rede e modificou a Lei 7.716 (Lei de Crime Racial), através do inciso II do § 3º de seu artigo 20, objetivando a cessação de transmissões radiofônicas, televisivas, eletrônicas ou publicações por qualquer meio da prática, indução ou incitação de discriminação de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

O Decreto 7962, de 2013 regulamentou o Código de Defesa do Consumidor em relação ao Comércio Eletrônico (e-commerce) e as chamadas vendas on-line, visando proteger o consumidor de insatisfações com o produto adquirido e possíveis fraudes. Foram impostas aos fornecedores obrigações como disponibilizar em local de fácil visualização do site de vendas, o nome empresarial e número no CNPJ e a fornecer o endereço físico e eletrônico ao consumidor. O Decreto também criou regras específicas para ofertas nos sites de compra coletiva e obrigou a apresentação de sumário do contrato ao consumidor antes da celebração do mesmo, ficando também o fornecedor responsável por informar os meios para o direito de arrependimento da compra pelo consumidor.

De grande relevância, o Marco Civil da Internet, Lei 12.965/2014, trouxe diversas inovações, dentre elas estão:

  • Garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, na Internet, nos termos da Constituição Federal;
  • Proteção da privacidade e proteção dos dados pessoais, sendo vedada a utilização comercial de dados pessoais dos internautas, sem consentimento expresso do usuário;
  • Neutralidade da rede, não podendo os provedores de acesso discriminar ou privilegiar determinados tipos de conteúdo, tratando de forma isonômica quaisquer pacotes de dados;
  • Aplicação da Lei brasileira para provedores sediados no exterior;
  • Quebra de dados ou informações particulares dos usuários, assim como a retirada de conteúdos de sites ou redes sociais só ocorrerão mediante determinação judicial. Exceção feita aos casos de “pornografia de vingança”, quando fotos ou conteúdos íntimos de uma pessoa são vazados para a rede. Nesse caso, a própria vítima da violação da intimidade poderá solicitar a retirada diretamente a quem estiver hospedando tal conteúdo;
  • Partes interessadas poderão requerer ao juiz, com o propósito de formar prova em processo judicial cível ou penal, que ordene ao responsável pela guarda, o fornecimento de registros de conexão ou de registros de acesso a aplicações de internet.

Em 2016, foi publicado o Decreto 8.771 que regulamentou pontos do Marco Civil como a neutralidade da rede e a proteção de registros de acesso e dados pessoais.

Os avanços conseguidos pelas leis aqui elencadas, dividem especialistas da área jurídica. Uns enfatizam a necessidade de uma lei específica de combate aos crimes cibernéticos mais abrangente e detalhada. Citam como exemplo crimes como ameaça, calúnia, injúria e difamação. A repercussão de tais crimes é muito maior quando praticados por meio virtual, e as penas brandas em relação aos prejuízos e transtornos ocasionados às vítimas, uma vez que as sentenças estão previstas por artigos do Código Penal, que é de 1940, retratando uma realidade de um mundo completamente diferente.

Para outros especialistas, entretanto, as leis criadas são suficientes quando aliadas a legislação já existente, faltando desenvolvimento tecnológico para as nossas polícias e órgãos públicos responsáveis pela fiscalização e controle do mundo virtual no país, poderem identificar e punir os criminosos cibernéticos com maior precisão, facilidade e rapidez.

 

MAS/CEL