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ADPF 779: o que mais é preciso fazer para superarmos a tese de “Legítima Defesa da Honra”?
Notícia publicada por DECCO-SEDIF em 12/09/2022 16:26
No primeiro episódio do podcast Portal do Conhecimento Convida, conversamos sobre o tema com a juíza Adriana Ramos de Mello.

Neste ano de 2022, completaram-se 16 anos da promulgação da Lei Maria da Penha, marco histórico sobre a violência contra a mulher.

Após tantos anos de lutas e conquistas, em março de 2021, foi necessário que o Supremo Tribunal Federal firmasse o entendimento de que a tese da legítima defesa da honra é inconstitucional, por contrariar os princípios da dignidade da pessoa humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero. Surpreende que, em crimes de violência contra a mulher, ainda fosse utilizado nos tribunais o argumento de legítima defesa da honra. O STF, portando, foi chamado a intervir na questão, o que por óbvio deveria ser desnecessário.

Esse fato nos faz questionar: como, em pleno século XXI, ainda há espaço para se culpar as vítimas de feminicídio em função de seu comportamento ter maculado a honra masculina?

É importante lembrar que, nos crimes dolosos contra a vida, cabe ao Tribunal do Júri, composto por membros da comunidade, e não por juízes de carreira, proceder ao julgamento dos autores. Segundo o Código Penal Brasileiro, se o homicídio ocorrer por valor moral, social ou sob o domínio de violenta emoção, seguida de provocação da vítima, será classificado como homicídio privilegiado, e a pena poderá sofrer redução de um sexto a um terço[1]. Em função disso, os advogados de defesa se utilizavam dessa argumentação junto ao Tribunal do Júri.

Para Santos[2] (p. 80), “A crença para os que participam do Júri é de que a sociedade julga a sociedade” (grifo próprio), e, portanto, seu dever é proteger os valores e costumes compartilhados por ela, punindo os que ousam transgredi-los.

Cabe elucidar que “[...] a honra é o valor de uma pessoa inerente à maneira de avaliar sua inserção social, o que depende do amplo reconhecimento deste valor ou do direito ao seu reconhecimento.”. Assim sendo, a honra masculina é reconhecida socialmente quando a mulher cumpre o papel social para ela estabelecido. No momento em que a mulher “faz o que deseja fazer”, é punida pela sociedade, que considera sua vida menos valiosa que a honra dos homens, expressando “[...] uma ótica social que sacramenta a desigualdade entre as pessoas tomadas individualmente ou nas categorias que integram (família, gênero, ordem etc.)[3]” (grifo próprio).

Apesar de todo o esforço realizado por deputadas e senadoras que, à época, faziam parte do grupo “Lobby do Batom”, e que lutaram para terem os direitos femininos reconhecidos e garantidos por nossa constituição cidadã de 1988, uma legislação não é o suficiente para mudar uma sociedade. É necessário um esforço conjunto, iniciado com a educação e formação de cidadãos que compreendam e cumpram o estabelecido em nossa Carta Magna. Além disso, é indispensável a divulgação dos recursos disponíveis para que todas as mulheres em situação de vulnerabilidade à violência doméstica possam acessar medidas preventivas e protetivas.

O TJRJ, engajado nessa luta contínua, por meio da sua Diretoria-Geral de Comunicação e de Difusão do Conhecimento (DGCOM/DECCO/DICAC/SEDIF), convidou a Dra. Adriana Ramos de Mello a participar de um podcast sobre a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 779, que trata da inconstitucionalidade da tese de legítima defesa da honra”, recordando o caso do assassinato de Ângela Diniz, ocorrido há mais de 40 anos, sua repercussão à época dos fatos e a mudança de perspectiva por ele representada na sociedade brasileira.

Clique neste link para ouvir o primeiro episódio do podcast Portal do Conhecimento Convida.

Para saber mais sobre o tema, clique neste endereço e acesse o Observatório Judicial da Violência contra a Mulher.

HA/WL

Referências:

[1]RAMOS, M.D. “Reflexões sobre o processo histórico-discursivo do uso da legítima defesa da honra no Brasil e a construção das mulheres”. Estudos Feministas, Florianópolis, 20(1): 344, janeiro-abril/2012.

[2]SANTOS, A. C. L. dos. Crimes Passionais e Honra no Tribunal do Júri Brasileiro. Tese. Universidade Federal do Ceará. Programa de Pós-Graduação em Sociologia. Curso de Doutorado em Sociologia. Fortaleza, 2008.

[3]DÓRIA, C. A. “A Tradição Honrada: a honra como tema de cultura e na sociedade ibero-americana”. Cadernos Pagu 2 (1994): pp. 47-111.

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