Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro
O discurso de posse do desembargador Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho
Em seu discurso de posse, hoje, o novo presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, desembargador Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho, ressaltou que “entre as prioridades máximas, teremos o enfrentamento das carências estruturais da primeira instância, relegadas nos últimos anos a uma situação praticamente dramática”.
Leia a íntegra do discurso de posse do Presidente do TJRJ Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho – 02/02/2015:
É chegada a data da divisão de águas de dois anos de administração do TJRJ, com a despedida daquela que marcou o biênio 2013/2014 e a investidura da que assume para o subsequente de 2015/2016.
Cumpre então, por primeiro, assinalar que aquela que se despede marcou sua presença na secular história de 264 anos deste Tribunal por ter sido a pioneira a trazer na sua presidência uma mulher – a Desª. Leila Maria Cavalcante Ribeiro Mariano – mas certamente não resumiu a este os seus feitos. Com efeito, entre eles instalou, também, pioneiramente – já agora em termos nacionais - câmaras do consumidor, buscando melhor proteger a parte mais fraca da relação de consumo. Empreendeu, também, reformas racionalizadoras da administração, afetando competências e buscando sempre uma lógica de benefício aos jurisdicionados. Cuidou ainda do início das obras de reforma da primeira instância, que seguidamente tardava, chegando a pôr em risco a integridade dos magistrados, servidores, advogados e partes que ali acorriam. Também como registros, devem ser lembrados a ousada solução para o pagamento dos precatórios, permitindo pagar, no ano passado, a ponderável quantia de R$3.000.000.000,00 (três bilhões de reais) a milhares de pessoas, além de fomentar o início da era da vídeoconferência.
Por tudo isso, e também por outros motivos que o tempo destacará mas que, paradoxalmente, sua premência, não permite assinalar, pode-se afirmar que a administração que se encerra, em especial sua Presidente Leila Mariano, ingressou em definitivo na história de nosso Tribunal. Naturalmente, a presente homenagem se estende aos seus companheiros de administração, Desembargadores Valmir de Oliveira Silva (Corregedor-Geral da Justiça), Maria Ines Gaspar (1ª Vice-Presidente, antecedida no cargo pelos Desembargadores Nascimento Póvoas e José Carlos de Figueiredo), Sergio Lúcio de Oliveira e Cruz (2º Vice-Presidente, antecedido pelo Des. Nametala Machado Jorge), Nilza Bitar (3ª Vice-Presidente) e Sergio Verani (Diretor-Geral da EMERJ), todos partícipes das conquistas alcançadas.
Passa-se, então, à enorme tarefa que, nas difíceis circunstâncias políticas, sociais e econômicas vigentes no País e sobretudo em nosso Estado, cabe à administração ora empossada enfrentar. Dificuldades, entretanto, que não constituem álibi para a indispensável luta por sua superação, não havendo rendição possível nesse sentido, pois como tão fortemente alertou Carlos Drummond de Andrade em seu poema “Nosso Tempo”,
“...as Coisas são tão fortes! Mas eu não sou as coisas e me revolto.”
Entre as prioridades máximas, teremos o enfrentamento das carências estruturais da 1ª Instância, relegadas nos últimos anos a uma situação praticamente dramática, tornando o exercício da jurisdição – com razão havida como vitrine – um permanente exercício de heroísmo. Muitas vezes, uma simples petição leva de 4 a 5 meses para mera juntada, tornando surreais a atividade do advogado, a espera da parte e o exercício dos juízes e servidores. Nesse quadro, de pouco ou nada vale o estabelecimento de metas de produção, quando sonegadas as condições mínimas para seu atendimento.
Outra dificuldade a ser tratada com o mesmo empenho é a situação dos serventuários da justiça, onde questões cruciais como a remuneratória e de modo geral a da baixa autoestima, inclusive por deficiência nos mecanismos do estímulo à capacitação, tem levado a uma constante evasão de valores e cérebros, com exôdo até mesmo para idênticas atividades nas Justiças Federal e do Trabalho e no Ministério Público.
Essas duas situações, primordialmente, - carências do 1º Grau e questões dos serventuários –, também atingem gravemente os advogados, daí ser essencial incorporar a OAB, de tantas tradições nas lutas democráticas e pela história institucional do país, para seu possível equacionamento. Necessariamente, deve ser abandonado o improfícuo mero exercício da crítica pela crítica. Esta última, certamente, somente pode conduzir a soluções ilusórias, impondo-se, assim, a conjugação de esforços sob a articulação do TJRJ.
A relação com os Poderes Executivo e Legislativo deverá, como tem ocorrido nos últimos mandatos, pautar-se pela rigorosa observância dos postulados constitucionais da harmonia e separação entre os Poderes, revigorando-se a todo o momento o princípio inafastável da autonomia do Poder Judicionário, pelo qual cada magistrado é responsável em seu exercício cotidiano, sendo o Tribunal seu guardião permanente.
Igualmente o relacionamento com os advogados, o Ministério Público, a Defensoria Pública, e as Procuradorias do Estado e dos Municípios – todos exercentes de funções essenciais à Justiça -, deverá guardar os parâmetros constitucionais, cuja inobservância representará grave violação dos deveres dos magistrados e dos integrantes daquelas funções, acarretando a correspondente reprimenda no zelo pela atividade judicial que a todos corresponde.
Buscaremos o efetivo fortalecimento das atividades de comunicação social do Judiciário, juntamente com o trabalho essencial da Ouvidoria, melhor atendendo à necessária interlocução com a sociedade civil, que deve usar todos os novos canais, aì se incluindo as redes sociais, para fortalecer essa interação tão essencial à democracia. Aqui se trata de relacionamento com toda a sociedade civil, vale dizer com o próprio conjunto do povo, que deve aproveitar toda a sua carga inovadora, e não apenas com os advogados, que por razão de ofício já o exercem com bastante intensidade.
Com relação, ainda neste tópico, ao relacionamento com a mídia impressa e eletrônica, se já não está presente o brutal desconhecimento recíproco das respectivas estruturas, mecanismos de funcionamento, abrangência de atuação, limitações institucionais ou organizacionais e, mesmo, carências e falhas ou deficiências, ainda muito presentes na população em geral, tudo se agrava pela desinformação, paradoxalmente frequentemente difundida pelos veículos de comunicação de massa. Nesse campo é necessário que o Judiciário assuma a sua parcela de responsabilidade pelo desconhecimento da instituição, a partir daí adotando postura que represente, concretamente, veículo de sua indispensável superação. Proclame-se com clareza que, ressalvadas iniciatiavas meritórias mas isoladas, a imprensa não tem tido um permanente canal institucional que esteja apto a bem esclarecer os meios de comunicação, permitindo-lhes desempenhar com eficiência seu papel social na difusão de informações e noticiário sobre a Justiça como instituição.
Quanto mais informação e transparência, melhor a orientação para o público em geral, sabido que o segredo e o desconhecido sempre carecerão de confiança e que a luz do sol é o melhor desinfetante. Por isso, com total propriedade, afirmou Phillip Meyer, jornalista e professor de jornalismo da Universidade Chapel Hill da Carolina do Norte, refletindo sobre ética e jornalismo:
“... A ética jornalística é um tópico escorregadio. Definir o comportamento ético é um pouco como definir arte, e a maioria de nós segue a regra do “eu–o –conheço- quando –o-vejo”.
Colecionar histórias de horror sobre os delitos jornalísticos é fácil, mas avançar na direção de uma cura racional para os problemas da profissão é muito mais díficil....
...”Desde que os escândalos de Watergate, de 1972/1975, despertaram a consciência pública sobre a moralidade das instituições nacionais, a luta continuada e errática das pessoas que relatam as notícias para chegarem a termos com suas próprias autodúvidas tem tido pungência especial. Watergate lembrou a todos que as pessoas que ganham a vida expondo os delitos dos outros têm uma necessidade especial de manterem seu próprio comportamento acima das críticas.” (A Ética no Jornalismo, Ed. Forense Universitária, 1989, Rio de Janeiro).
Em resumo, a independência do Judiciário e a liberdade de imprensa, são, com todas as suas limitações, irmãs siamesas no processo permanente de construção da democracia e de aprimoramento das instituições republicanas.
Destaca-se, por outro lado, com especial ênfase, a busca de incremento da mediação e da conciliação, além do fomento à arbitragem, como meios alternativos à jurisdição e complementares à utilização do processo judicial, quando já insuportável o crescimento das demandas. Se em 1988, na promulgação da Constituição cidadã, ingressavam no sistema judicial do país 350 mil ações por ano, 26 anos depois, em 2014, o acervo total de processos em tramitação alcançava cifra em torno de inacreditáveis 100 milhões, dos quais 10% em nosso Estado. Não há raciocínio de progressão aritmética ou geométrica que comporte esse gigantesco crescimento, nem número de magistrados e servidores que possa atender com um mínimo de razoabilidade a cidadania ávida por Justiça. Também uma maior racionalização das ações coletivas, inclusive por meio legislativo, deve ser buscada.
Melhorar significativamente a utilização da informática e do processo judicial eletrônico não mais pode constituir quimera, mas objetivo bem concreto a ser progressivamente alcançado. Já em seu tempo histórico, afirmava o grande Ruy Barbosa que “A justiça atrasada não é justiça; senão injustiça qualificada e manifesta.”, expressão que lamentavelmente ainda conserva um travo de atualidade.
Nesse particular, devemos reconhecer que, malgrado alguns progressos atingidos, os sistemas de informática de nosso Tribunal, inclusive por não conversarem entre si – tirante o questionamento sobre sua multiplicidade de linguagens – soam ultrapassados e deixam de atender minimamente às necessidades de seus usuários, às vezes parecendo atuar como atividade-fim e tratar irresponsavelmente a jurisdição como atividade-meio.
Hoje, o Poder Judiciário, instituição base dos tribunais de justiça, felizmente se voltou prioritariamente para sua função primordial atentamente acompanhados pela população – do que são exemplos eloquentes os processos do mensalão (STF) e do petrolão, ora conduzido em sua fase inicial pelo Juiz Federal Sergio Moro, com observância do devido processo legal e notória retidão.
A proteção dos direitos fundamentais da pessoa humana é o norte orientador. Como ensinou, com a sabedoria que o tornou um dos maiores jusfilósofos do país, o Prof. Miguel Reale:
“...Transcende-se, em suma, a velha concepção do julgamento como um juízo que dirime ou soluciona conflitos de interesses, pressupondo sempre a necessária provocação de uma parte contra a outra, para admitir-se também um julgamento a serviço da sociedade em geral, em ações diretas de inconstitucionalidade, cujo fito é preservar o valor da Carta Magna como conditio sine qua non do bem ser da sociedade, razão pela qual se alarga sempre mais o número das pessoas e órgãos com competência para por em movimento o aparelho jurisdicional.
Nessa sua nova função, o Judiciário supera a antiga posição que lhe era dada pela doutrina da divisão ou mesmo da separação dos Poderes e, atuando, como assinala Mauro Cappelletti – em estudo no qual esse jurista itálico se refere elogiosamente, nesse ponto, à Constituição de 1988 -, em um “vertical sharing of powers”, no qual não falta a competência para soberanamente resolver conflitos entre o colosso do Legislativo e o mastodonte da burocracia administrativa”..../... Ainda não se deu a devida atenção à consagração, na Constituição brasileira, da doutrina norte-americana do due process of law, da máxima importância para o Poder Judiciário, que, como já salientei, tem em regra, direto acesso à Constituição para constante e plena salvaguarda dos direitos fundamentais do homem como indivíduo e como cidadão, ou seja, como titular de direitos subjetivos privados e públicos. (Miguel Reale – Questões de Direito Público, Ed. Saraiva, 1997, págs. 49/50).
Também no mesmo sentido, a doutrina apaixonante de Paulo Bonavides, Prof. Emérito da Universidade Federal do Ceará e Patrono dos Constitucionalistas Brasileiros:
“...Com efeito, o Presidente da República é neles (países da periferia) o efetivo guarda da Constituição, guarda que tem aqui o significado de senhor absoluto, e não a justiça do tribunal abdicante. O Presidente, em sua onipotência executiva consagrada pela práxis, e não os juízes constitucionais tem a chave do controle e o exercita em dano da soberania popular.
Esta nunca logrou ser ali a soberania da Constituição senão que tem sido sempre a soberania da Presidência da República, a qual é sinônimo de ditadura.
À verdade, os valores democráticos e os princípios de segurança jurídica e social, dos quais pende a conservação do Estado de Direito, só hão de encontrar seu significado profundo numa democracia participativa em que a legitimidade viva, ao revés da legalidade morta, tenha prevalença.
Ao contrário, pois, do que ocorre em sistemas onde por relutância ou temor político prepondera o mero formalismo dls textos jurídicos. Formalismo que conduz inumeráveis magistrados a se prenderem, com a cegueira da lei e a literalidade da norma, ao positivismo jurídico do século XIX.
Ficam assim tais magistrados sem olhos para ver que a Constituição é o Direito e a luz na idade contemporânea. E o é sua versão teórica, positiva, substancial, de materialidade normativa. Toda vez, porém, que essa luz falta ou se apaga no cérebro do magistrado, o Direito abandona a norma e a norma, inadequada e ininteligível, se manifesta injusta.
Em rigor, lei e Código, de normatividade culminante na gestão da Sociedade individualista e liberal, não passam ultimamente de feixes de normas, cuja aplicação, conteúdo, palpabilidade, vivência e concretude devem harmonizar-se ou compadecer-se sempre com o espírito, os valores e os princípios do Estatuto Fundamental. A Constituição é e será sempre a cabeça do sistema. E assim há de ser invariavelmente nas democracias do Estado de Direito.
Democratizar, por consequência, o Poder Judiciário, requer forçosamente manutenção, em extrema amplitude, do controle difuso de constitucionalidade, consoante tem sido, aliás, da tradição judiciária deste País, desde que a República o instituiu no berço do ordenamento constitucional de 1891...”. (Teoria Constitucional da Democracia Participativa, Malheiros Editores, 2ª Edição, págs. 313)
Saúda-se, nessa virada histórica memorável, o surgimento do juiz constitucional, como protetor e guardião dos direitos fundamentais do homem.
Em tais circunstâncias, é importante ressaltar o incremento dos projetos especiais do TJRJ, tais como a Justiça itinerante – com ônibus que atendem pessoas em locais de díficil acesso ou desprovidos de fórum – a Justiça cidadã, ministrando cursos que proporcionam conhecimentos gerais de direito e de ciências sociais a lideranças comunitárias da periferia da Capital, dos Municípios da Baixada Fluminense e demais regiões do nosso Estado, e, dentre outros, apoiar os casamentos comunitários, também voltados à população mais carente. É o Judiciário mostrando uma nova face e atendendo diretamente a quem mais dele necessita.
É hora de agradecer. Primeiramente aos companheiros de jornada, colegas sem os quais não teria sido possível o enfrentamento das circunstâncias adversas que sempre cercam uma eleição. A eles, o tributo do meu mais sincero reconhecimento e a expectativa de continuarmos juntos para empreender as medidas necessárias ao aprimoramento moral e material de nosso Tribunal de Justiça;
aos meus pais Maria José e Jair, que com seus ensinamentos deram a partida e plasmaram convicções que nunca me abandonaram;
à Eliana, permanente companheira na caminhada da vida, que com seu encanto e leveza sempre espantou o travo da amargura;
aos queridos filhos – Marcelo, Luiz Rodrigo e Juliana, que com as noras e o genro, Adriana, Fernanda e Edison, - e a doçura dos netos – Bernardo, Lucas, Luiz Fernando, Luiz Henrique, Gabriel e Renato, e dos bisnetos Maria Luiza e João Pedro, tornam tudo mais viável, surpreendente e colorido;
aos parceiros de trajetória Carlos Raymundo Cardoso, Doris Castro Neves, Felippe Augusto de Miranda Rosa (in memoriam), Hélio Augusto Silva de Assunção (in memoriam), Jessé Torres Pereira Junior, Joel Rufino dos Santos, Luis Felipe Salomão, Luiz Jorge Werneck Vianna, José Paulo Sepúlveda Pertence, Patrício Gomes de Sá (in memoriam), Paulo Benjamin Fragoso Gallotti, Renato de Lemos Maneschy (in memoriam), Sergio Bermudes e Thiago Ribas Filho, que sinalizam uma caminhada de anseios e lutas, sem os quais nem mesmo trajetória existiria;
aos dedicados assessores e assistentes de gabinete, Bruno Antonucci, Gabriel Albuquerque, Inês Machado Wagner, João Fernando Coelho, Mabel Passos, Maíba Souza e Sergio Mauro, sempre prontos a tornar mais leves as agruras do cotidiano;
aos demais servidores da 3ª Câmara Cível do Tribunal, onde estive por aproximadamente 15 anos, aqui representados pelo secretário da câmara Claudio Varella, e também àqueles que comigo trabalharam nas comarcas de Cantagalo e Petrópolis e nas Varas de Acidentes do Trabalho e de Falências e Concordatas da Capital, igualmente solidários no cumprimento das tarefas do dia-a-dia.
Concluindo, com a emoção que o momento certamente evoca, e o sentimento de solidariedade e união estendido aos queridos companheiros da gestão que ora se inicia, Desembargadores Maria Augusta Vaz (Corregedora Geral de Justiça), Maria Inês Gaspar (1ª Vice-Presidente), Nilza Bitar (2ª Vice-Presidente), Celso Ferreira Filho (3º Vice-Presidente), e Caetano Ernesto da Fonseca Costa (Diretor Geral da EMERJ), além, naturalmente, do autor da brilhante saudação desta tarde memorável, em nome do TJRJ, Fernando Foch, da honra da sensível manifestação do Governador do Estado, Luiz Fernando Pezão, das tocantes palavras do Presidente da OAB/RJ, Felipe de Santa Cruz, e do Procurador Geral de Justiça, Marfan Martins Vieira, devo registrar, sensibilizado, a presença de tantos amigos, colegas – especialmente aqueles que conosco conviveram nas intensas lutas associativas, com relevante destaque, para aqueles da militância na combativa AMB – Associação dos Magistrados Brasileiros, advogados, representantes da sociedade civil e servidores da casa, que tanto enobrecem a ocasião como assinalam a responsabilidade em que se investem os empossados.
A reforma da Justiça, realizada apenas parcialmente, deve fidelidade ao matiz democrático, que afinal venha facilitar a ampliação do acesso como forma de aproximação ao ideal/sentimento de uma ordem jurídica mais justa, fundada nos valores constitucionais e éticos de liberdade, igualdade, fraternidade, solidariedade e diversidade, alinhados em momento de habitual inspiração pelo grande brasileiro Herbert de Souza (Betinho). Só então a reforma do Judiciário terá curso por meio de uma profunda revisão cultural de todos os envolvidos no sistema judicial e, afinal, do próprio povo, sendo premente a necessida de reformulação de princípios e valores que, convertidos em dogmas, se reduzem à esterilidade. Assim, também os usuários do sistema devem compreender a necessidade dessa mudança de paradigma, para que a reforma se efetive distanciada de interesses particularizados, como leito para um salto de qualidade no mundo globalizado em que Direito e Justiça, mas do que mecanismos de sustentação de estruturas sócio-econômicas e políticas, o sejam de suporte de garantias da democracia participativa e de um Estado de Direito que, fundado no primado da Lei Constitucional e do integral respeito aos direitos fundamentais, não perca de vista a advertência de Calheiros Bomfim:
“...A Lei não esgota o Direito, assim como a gramática não exaure o idioma...”.
Que esse horizonte, por ora apenas despontado, possa crescer e agigantar-se no trabalho necessariamente inacabado da construção de uma nação democrática e de um sentimento de solidariedade, tão bem refletido nos versos inspirados pela veia sensível de Paulo Mendes Campos, tão mineiro e universal como o grande Drummond:
“...O homem.
É um gesto que se faz ou não se faz. Seu absurdo – Se podemos admití-lo – não se redime em injustiça.
Doou-nos a terra um fruto. Força é repartí-lo
Entre os filhos da terra. Força – aos que o herderam – É fazer esse gesto, disputar esse fruto. Outrora,
Quando ainda me perturbava a flor e não o fruto,
Quando ainda sofria sobre as armações metálicas do mundo,
Acuado como um cão metafísico, eu gania para a eternidade,
Sem compreender que, pelo simples teorema do egoísmo,
A vida enganou a vida, o homem enganou o homem.
Por isso, agora, organizei meu sofrimento ao sofrimento
De todos: se multipliquei a minha dor,
Também multipliquei a minha esperança.” (Poema Didático, Canto Melhor, Ed. Paz e Terra, 1969, pág. 103).
O lema da campanha da fraternidade da CNBB de 2015 – EU VIM PARA SERVIR, aqui tão bem representada pela doce figura do pastor de almas Cardeal D. Orani – bem se aplica ao sentimento fraterno de uma Justiça que vem, a ele correspondendo, para garantir os direitos fundamentais da pessoa humana. A grandeza do Judiciário não está ligada a qualquer compreensível liturgia, mas extremamente vinculada ao constante atendimento à sua razão de existir.
A mensagem final, neste compasso, é a da inexorável unidade e coesão deste Tribunal, como um organismo vivo de pessoas – magistrados e servidores – voltados ao bem público essencial da prestação de justiça – que atuam escolhendo porfiadamente ser homens ao invés de parecer sê-lo.
Desembargador Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho